A
verdade, nada
mais que a
verdade
Mario
Sabino
Vincenzo Pinto/AFP
O
papa Bento
XVI em Aparecida
Por
mais que fotógrafos
e câmeras
de televisão
tentassem
o contrário,
em sua busca
por uma imagem
eloqüente
ou tocante,
a visita de
Bento XVI
ao país
revelou aos
brasileiros
que o papa
está
longe de seu
antecessor,
João
Paulo II,
em matéria
de carisma.
Encurvado
pelos 80 anos,
com passos
rápidos
como se quisesse
fugir dos
olhos que
sobre ele
se fixavam,
titubeante
nos momentos
de posicionar-se
ao lado de
autoridades
seculares,
Bento XVI
definitivamente
não
exerce –
nem quer exercer
– fascínio
pessoal. Basta-lhe
a força
do cargo.
Em seus gestos
e palavras,
ele também
demonstrou
não
alimentar
um ardor místico
muito além
do mínimo
esperado para
um papa. É
de fé
mariana, mas
esta não
exibe a característica
visionária
de João
Paulo II.
Sem a moldura
do carisma
e desprovido
daquele tipo
de misticismo
tão
ao gosto das
massas, ao
papa restou
apresentar
a verdade,
toda a verdade,
nada mais
que a verdade
da Igreja.
E o fez de
forma didática,
porque seu
talento mesmo
é o
de professor.
"Ele
pode não
ter carisma,
mas tem o
dom de saber
explicar o
Evangelho
com grande
clareza e
simplicidade",
resumiu o
vaticanista
Marco Politi
à repórter
Adriana Dias
Lopes (veja
entrevista).
Que
verdade é
essa? A de
que as preocupações
do catolicismo
são,
primordialmente,
de ordem moral
– mais
do que nunca,
a chave para
a leitura
e a interpretação
do Evangelho.
Natural que
seja assim.
Os grandes
embates cristológicos,
que movimentaram
a história
eclesiástica
durante séculos,
tiveram seu
suspiro derradeiro
no Concílio
Vaticano II,
na década
de 60, embora
vez por outra
um teólogo
tresloucado
da América
Latina procure
"humanizar"
a figura de
Cristo, ao
transformá-lo
num Che Guevara
da Judéia.
Bem antes
disso, na
terceira década
do século
XX, foram
sepultadas
as esperanças
de que o papa
recuperasse
mesmo que
uma lasca
do poder temporal
outrora exercido
na Europa.
No terreno
ideológico,
o triunfo
sobre o comunismo
ateu foi completo,
com a queda
do Muro de
Berlim, em
1989, e o
conseqüente
fim da União
Soviética.
A conservação
da moralidade
católica
tornou-se,
desse modo,
o único
campo de afirmação
da Igreja.
É também
sua trincheira
no confronto
com o secularismo,
o materialismo
e o relativismo.
A PRIMEIRA
NOITE
Cerca
de 10 000
pessoas foram
receber Bento
XVI em frente
ao Mosteiro
de São
Bento, no
centro da
capital paulista.
No alto, à
direita, o
papa faz orações
na capela
do mosteiro,
pouco depois
de chegar
ao país.
À direita,
detalhe do
"anel
do pescador",
com uma representação
de São
Pedro
A
grita contra
os valores
defendidos
tenazmente
pelo Vaticano,
como a indissolubilidade
do casamento
e a condenação
do aborto,
define-os
como anacronismos.
E lhes credita
também
a constante
sangria de
fiéis
experimentada
há
décadas
pela Igreja.
Do ponto de
vista secular,
não
há
dúvida
de que a análise
está
correta. O
catolicismo
anda mesmo
em descompasso
com a modernidade.
Mas, em se
tratando de
religião,
é preciso
levar em conta
a perspectiva...
religiosa.
Dissecar os
princípios
da Igreja
com instrumentos
temporais
é o
mesmo que
vasculhar
as estrelas
com um microscópio
– ou
examinar as
moléculas
com um telescópio.
Ou seja, é
inadequado,
para dizer
o mínimo.
O que nenhum
desses críticos
se pergunta
é:
o que seria
da Igreja
se ela transigisse
no que se
refere ao
casamento
indissolúvel
– um
dos sacramentos
católicos
– e
ao aborto,
para permanecer
nos dois pontos
mais sensíveis
aos contemporâneos?
A resposta
é que
a Igreja teria
a sua essência
extirpada,
visto que,
desde os seus
primórdios,
confere um
caráter
sagrado tanto
ao matrimônio
quanto à
vida humana
– e
os padres
não
têm
dúvida
de que ela
começa
na concepção,
pois Maria
se tornou
mãe
de Deus logo
que a semente
de Cristo
nela foi implantada
pelo Espírito
Santo.
A
mensagem que
Bento XVI
trouxe ao
país
foi serena,
mas enfática.
Ele não
abrirá
mão
dos princípios
morais, o
cerne da doutrina
católica,
para atrair
um imenso
contingente
de ovelhas
desgarradas.
Prefere um
rebanho menor,
mas seguidor
dos mandamentos
da Igreja.
Quem apenas
se declara
católico
não
lhe interessa.
Cite-se outra
vez uma fala
do então
cardeal Joseph
Ratzinger,
que já
expressava
a visão
do futuro
papa: "A
Igreja diminuirá
de tamanho.
Mas dessa
provação
sairá
uma Igreja
que terá
extraído
uma grande
força
do processo
de simplificação
que atravessou,
da capacidade
renovada de
olhar para
dentro de
si. Porque
os habitantes
de um mundo
rigorosamente
planificado
se sentirão
indizivelmente
sós.
Descobrirão,
então,
a pequena
comunidade
de fiéis
como algo
completamente
novo. Como
uma esperança
que lhes cabe,
como uma resposta
que sempre
procuraram
secretamente".
Nesse
caminho, não
se lançarão
anátemas
contra quem
abandonar
a barca de
Pedro. Religião
condenada
por tantos
como obscurantista,
o catolicismo,
ao contrário
do islamismo,
evoluiu no
plano teológico
em direção
ao livre-arbítrio.
Os que permanecerem
no seio da
Igreja o farão
por própria
escolha. Ao
defender a
família
como célula-mãe
da sociedade,
Bento XVI
afirmou: "A
Igreja quer
apenas indicar
os valores
morais de
cada situação
e formar os
cidadãos
para que possam
decidir consciente
e livremente".
A opção
por poucos
e bons não
significa,
evidentemente,
que a perda
de fiéis
tenha deixado
de ser fonte
de preocupação.
Na sua avaliação,
contudo, no
que diz respeito
ao Brasil
e à
America Latina,
ela se deve
menos ao rigor
moral do catolicismo
do que a décadas
de equívocos
no trabalho
de catequese.
Esse, aliás,
será
um dos temas
da V Conferência
Geral do Episcopado
Latino-Americano
e do Caribe,
inaugurada
pelo papa
em Aparecida.
O
VIGÁRIO
DE CRISTO
FALA AOS BRASILEIROS
Gregório
Borgia/AP
EVANGELIZAÇÃO
"A
Igreja Católica
– como
coloquei na
encíclica
Deus Caritas
Est –,
'transformada
pela força
do Espírito,
é chamada
para ser,
no mundo,
testemunha
do amor do
Pai, que quer
fazer da humanidade
uma única
família,
em seu Filho'.
Daí
o seu profundo
compromisso
com a missão
evangelizadora,
a serviço
da causa da
paz e da justiça.
A decisão,
portanto,
de realizar
uma conferência
essencialmente
missionária
bem reflete
a preocupação
do episcopado,
e não
menos a minha,
de procurar
caminhos adequados
para que,
em Jesus Cristo,
os 'nossos
povos tenham
vida', como
reza o tema
da Conferência
(Geral do
Episcopado
Latino-Americano
e do Caribe)."
DEFESA
DA FAMÍLIA
"A
Igreja quer
apenas indicar
os valores
morais de
cada situação
e formar os
cidadãos
para que possam
decidir consciente
e livremente.
Nesse sentido,
não
deixará
de insistir
no empenho
que deverá
ser dado para
assegurar
o fortalecimento
da família
– como
célula-mãe
da sociedade."
"Tende,
sobretudo,
um grande
respeito pela
instituição
do sacramento
do matrimônio.
Não
poderá
haver verdadeira
felicidade
nos lares
se, ao mesmo
tempo, não
houver fidelidade
entre os esposos.
O matrimônio
é uma
instituição
de direito
natural, que
foi elevada
por Cristo
à dignidade
de sacramento;
é um
grande dom
que Deus fez
à humanidade.
Respeitai-o,
venerai-o.
Ao mesmo tempo,
Deus vos chama
a respeitar-vos
também
no namoro
e no noivado,
pois a vida
conjugal que,
por disposição
divina, está
destinada
aos casados
é somente
fonte de felicidade
e de paz na
medida em
que souberdes
fazer da castidade,
dentro e fora
do matrimônio,
um baluarte
das vossas
esperanças
futuras. Repito
aqui para
todos vós
que 'o eros
quer nos conduzir
para além
de nós
próprios,
para Deus,
mas por isso
mesmo requer
um caminho
de ascese,
renúncias,
purificações
e saneamentos'."
JUVENTUDE
"Olhando
para vós,
jovens aqui
presentes,
que irradiais
alegria e
entusiasmo,
assumo o olhar
de Jesus:
um olhar de
amor e confiança,
na certeza
de que vós
encontrastes
o verdadeiro
caminho. Sois
jovens da
Igreja. Por
isso eu vos
envio para
a grande missão
de evangelizar
os jovens
e as jovens
que andam
por este mundo
errante como
ovelhas sem
pastor."
"Podeis
(jovens) ser
protagonistas
de uma sociedade
nova se procurais
pôr
em prática
uma vivência
real inspirada
nos valores
morais universais,
mas também
um empenho
pessoal de
formação
humana e espiritual
de vital importância.
Um homem ou
uma mulher
despreparados
para os desafios
reais de uma
correta interpretação
da vida cristã
será
presa fácil
a todos os
assaltos do
materialismo
e do laicismo,
sempre mais
atuantes em
todos os níveis."
RESPEITO
À VIDA
"Sei
que a alma
do povo brasileiro,
bem como de
toda a América
Latina, conserva
valores radicalmente
cristãos
que jamais
serão
cancelados.
Estou certo
de que em
Aparecida,
durante a
conferência
do episcopado,
será
reforçada
tal identidade,
ao promover
o respeito
pela vida,
desde a sua
concepção
até
o seu natural
declínio,
como existência
própria
da natureza
humana."
CONSERVAÇÃO
DA NATUREZA
"Nunca
podemos dizer
basta, pois
a caridade
de Deus é
infinita e
o Senhor nos
pede, ou melhor,
nos exige
dilatar nossos
corações
para que neles
caibam sempre
mais amor,
mais bondade,
mais preservação
e conservação
da natureza,
da qual todos
fazem parte.
'Nossos bosques
têm
mais vida':
não
deixeis que
se apague
esta chama
de esperança
que o vosso
Hino Nacional
põe
em vossos
lábios.
A devastação
ambiental
da Amazônia
e as ameaças
à dignidade
humana de
suas populações
requerem um
maior compromisso
nos mais diversos
espaços
de ação
que a sociedade
vem solicitando."
PERDA
DE FIÉIS
"Essa
é nossa
preocupação
comum na conferência
episcopal.
Queremos encontrar
respostas
convincentes,
estamos trabalhando
nisso já.
O sucesso
dessas seitas
(evangélicas)
demonstra
que existe
uma sede de
Deus, por
Deus, de religião.
As pessoas
aceitam que
essas seitas
se apresentem
como capazes
de solucionar
os problemas
cotidianos.
Nós,
da Igreja
Católica,
temos de transformar
isso num objetivo
da conferência,
para sermos
mais dinâmicos,
mais missionários,
para responder
a essa sede
por Deus.
E devemos
ser conscientes
de que as
pessoas, principalmente
os pobres,
querem ter
isso mais
perto delas.
Somos conscientes
de que, junto
a essa resposta
à sede
de Deus, devemos
ajudá-los
a encontrar
as condições
de vida justa,
sejam microeconômicas,
nas condições
concretíssimas
– como
fazem as seitas
–, sejam
macroeconômicas,
pensando em
todas as exigências
da justiça."
POLÍTICA
"Com
a mudança
da situação
política,
mudou profundamente
também
a situação
da Teologia
da Libertação.
E agora é
evidente que
esses fáceis
milenarismos,
que prometem
revoluções
e também,
subitamente,
condições
de uma vida
justa, estavam
errados. Hoje
todos sabem
disso. A questão
é como
a Igreja deve
estar presente
na luta por
reformas necessárias
para que se
possam ter
condições
justas de
vida. A Igreja
não
entra na política,
respeitamos
a laicidade,
mas podemos
dar condições
para a solução
dos problemas
sociais e
políticos."
ETAPAS
DO DIÁLOGO
A
partir da
segunda metade
do século
XIX, diante
de um mundo
em transformação
acelerada,
quatro pontífices
se destacaram
por abrir
canais de
comunicação
com a modernidade
LEÃO
XIII (1878-1903)
Autor
da encíclica
Rerum Novarum,
promulgada
em 1891, o
primeiro documento
da Igreja
a respeito
da situação
da classe
operária.
Nela, o papa
abordou questões
até
então
fora do âmbito
das preocupações
do Vaticano,
como a obrigação
dos patrões
de oferecer
boas condições
de trabalho,
o salário
justo e o
direito à
organização
sindical.
Com essa encíclica,
nasceu o pensamento
social católico,
que se contraporia
ao marxismo
e serviria
de base ideológica
aos partidos
democrata-cristãos
europeus.
BENTO
XV (1914-1922)
Acabou
com as perseguições
aos religiosos
"modernistas",
promovidas
por seu antecessor,
Pio X. Em
1917, surpreendeu
o mundo com
uma condenação
enfática
da I Guerra
Mundial, à
qual chamou
de "carnificina
inútil"
– até
então,
nenhum papa
jamais tivera
semelhante
atitude em
relação
a conflitos
entre nações.
Bento XV chancelou,
ainda, a participação
de católicos
em eleições
nacionais,
como candidatos
ou votantes,
sepultando,
assim, a oposição
da Igreja
aos nascentes
estados laicos.
Por fim, deu
início
a uma ação
missionária
que não
mais se confundia
com o colonialismo.
JOÃO
XXIII (1958-1963)
Um dos papas
mais amados
da história
do catolicismo,
fazia visitas
pastorais
regulares
a bairros
populares
de Roma, penitenciárias
e hospitais
– numa
"opção
preferencial
pelos pobres"
sem proselitismo.
Em 1959, convocou
o Concílio
Vaticano II,
destinado
a "tirar
a poeira do
Trono de Pedro".
Ecumenismo,
diálogo
com outras
religiões,
colegialidade
nas decisões
da Igreja
– todos
esses temas,
que permanecem
em pauta,
começaram
a ser discutidos
no concílio
cujo final
João
XXIII não
veria.
Foi o papa
que abriu
o diálogo
com o mundo
comunista.
PAULO
VI (1963-1978)
Deu
prosseguimento
ao Concílio
Vaticano II,
concluído
em 1965, e
implementou
algumas das
decisões
do encontro.
Entre elas,
reformou a
Cúria
Romana, o
aparato burocrático
encastelado
no Vaticano,
procurando
diminuir seu
raio de alcance.
Na direção
inversa, buscou
fortalecer
os episcopados
nacionais,
embora sem
lhes conferir
poderes deliberativos.
Paulo VI aboliu
os símbolos
que remontavam
ao poder temporal
dos papas,
modernizou
algumas instalações
do Vaticano
e permitiu
a abertura
de uma galeria
de arte moderna
em seus domínios
(iniciativas
de grande
efeito simbólico).
Também
estabeleceu
relações
diplomáticas
com países
muçulmanos.
Fonte:
Veja Online
- Site
oficial da
visita do
Papa Bento
XVI
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