A
bandeira brasileira é a única a retratar
o aspecto do céu em determinado momento
e por isso deveria estar de acordo
com as normas astronômicas, para não
se tornar motivo de riso no exterior.
Ronaldo
Rogério de F. Mourão
"A Bandeira Nacional,
já tão conhecida, e reconhecidamente
bela, continua, substituindo-se a
coroa sobre o escudo pelo cruzeiro",
assim reagiu o marechal Deodoro da
Fonseca, em 17 de novembro de 1889,
à primeira tentativa de mudança da
bandeira. Nesse despacho à proposta
de uma nova bandeira para a república,
anotou seu secretário, coronel Jacques
Ourique, mais tarde deputado no Congresso
Constituinte, a data e o objetivo
daquela resolução de Deodoro. Divulgado
pela primeira vez em Deodoro: subsídios
para a história, de Ernesto Sena,
editado pela Imprensa Nacional em
1906, esse autógrafo comprova o desejo
inicial de somente substituir a coroa
imperial pelo Cruzeiro do Sul. Parece
que Deodoro seria, dois dias depois,
convencido a adotar e estabelecer
pelo decreto 4, de 19 de novembro
daquele ano, as novas características
da bandeira republicana, de inspiração
positivista, com a legenda "Ordem
e Progresso", resumo do postulado
de Augusto Comte: "O amor por princípio,
a ordem por base e o progresso por
fim."
O
decreto 4, redigido por Rui Barbosa,
deu legitimidade ao rompimento nas
tradições dos símbolos nacionais,
anteriormente definidos e adotados
pela nação. Ele impunha, contra a
opinião inicial de Deodoro, uma bandeira
que jamais conseguiria obter a aprovação,
sem crítica, da maioria do povo brasileiro.
Idealizada
pelo positivista Raimundo Teixeira
Mendes (1855-1927), sob a orientação
de Miguel Lemos (1854-1917), a nova
bandeira foi desenhada pelo pintor
Décio Vilares (1851-1931). As posições
das estrelas foram fornecidas pelo
astrônomo e engenheiro Manuel Pereira
Reis (1837-1922).
As
primeiras oposições à nova bandeira
fizeram com que Teixeira Mendes redigisse
um artigo-justificativa do simbolismo
do pavilhão, que ficou conhecido como
"Apreciação Filosófica, no Diário
Oficial" de 24 de novembro de 1889.
Logo em seguida à adoção da bandeira,
chegou a ser divulgada no exterior
a notícia de que o Brasil iria adotar
o calendário positivista. Informado
pelo delegado do Tesouro, em Londres,
de que esta última notícia provocara
má impressão, Rui Barbosa telegrafou:
"Desminta. Essa notícia é disparate
em que ninguém pensou aqui e que ninguém
ousará propor ao Governo", segundo
relato publicado em Deodoro: a espada
contra o império (1957), de Raimundo
Magalhães Júnior.
Vários outros países utilizaram estrelas
em seus lábaros. A Austrália, a Nova
Zelândia, Papua-Nova Guiné e Samoa
empregaram o Cruzeiro do Sul em suas
bandeiras. Em todas elas foram adotadas
as posições astronômicas usadas nas
cartas celestes para representar a
constelação do Cruzeiro do Sul, de
modo a se obter uma reprodução mais
fiel possível na disposição relativa
do conjunto formado por suas estrelas.
Em conseqüência, nas bandeiras da
Austrália, de Samoa e de Papua-Nova
Guiné, a quinta estrela do Cruzeiro
- a Intrometida - aparece à direita
como está nas nossas armas da república,
ao contrário do que ocorre na bandeira
nacional. Na realidade, o processo
de reprodução usado no nosso pendão
na bandeira é o oposto daquele usado
nas armas da república. Na bandeira
da Nova Zelândia, apesar das estrelas
do Cruzeiro do Sul estarem nas suas
posições relativas exatas, a Intrometida
não foi incluída. Além do brasileiro,
o único pavilhão que representa mais
de uma constelação é o da Austrália,
que além do Cruzeiro, empregou a estrela
mais brilhante da constelação de Centauro:
Toliman ou Rigel Kentauri. Na realidade,
a única bandeira a representar várias
constelações, ou melhor, a retratar
o aspecto do céu num determinado momento
é a brasileira. Por isso, ela deveria
constituir uma representação astronomicamente
mais precisa.
Legenda:
um século de divergências
Antes de uma análise mais profunda
dos aspectos astronômicos de nossa
bandeira, gostaríamos de fazer alguns
comentários sobre os seus principais
pontos críticos: desprezo à tradição,
legenda positivista, simbologia e
heráldica sem fundamentos e erros
astronômicos, como muito bem demonstrou
Eduardo Prado em A bandeira nacional
(1903).
Teixeira Mendes em sua Apreciação
filosófica argumenta, para eliminar
a cruz do estandarte do império, que
o novo simbolismo se fazia "não mais
por meio de um sinal que é atualmente
um símbolo de divergência (a cruz),
mas por meio de uma constelação".
Por uma contingência da vida, a legenda
"Ordem e Progresso" acabou se tornando
uma divergência, surgida tão logo
foi anunciada a nova bandeira, o que
motivou uma carta de Teixeira Mendes
ao Diário Oficial de 26 de novembro
de 1889. A nova divergência foi tão
intensa que permaneceu por quase um
século, pois recentemente um decreto
do governo José Sarney instituiu uma
comissão para estudar a bandeira,
onde se deverá verificar, segundo
as notícias divulgadas por um dos
assessores do ex-ministro da Justiça,
Oscar Dias Correia, se a expressão
"Ordem e Progresso" deve continuar.
Aliás, convém lembrar que o maior
dos nossos inventores, Alberto Santos
Dumont, se recusou sempre a usar o
nosso pavilhão, com base no argumento
de que ele não exprimia o sentimento
da nação brasileira, pois se tratava
do emblema de uma seita e nada mais,
e repugnava-lhe a idéia de ser propagandista
de um lema sectário. Por esse motivo,
nos seus momentos de glória e de perigo,
substituiu a bandeira por uma simples
flâmula verde e amarela, como relata
Clóvis Ribeiro em Bandeiras e brasões
do Brasil (1933). Aliás, o positivismo
não está só no pavilhão, mas também
nas armas da república que, segundo
Gustavo Barroso, no terceiro volume
de sua História secreta do Brasil
(1938), inspirou-se na estrela flamígera
ou flamejante dos tempos maçônicos,
onde o G, no interior da estrela,
que significa gnose, ou seja, sabedoria,
foi substituído por um círculo com
as 21 estrelinhas representativas
dos estados, na periferia, e o Cruzeiro
do Sul, no centro.
Na realidade, os adversários das concepções
maçônicas e/ou positivistas achavam
que a eliminação da esfera armilar
representativa das ciências marítimas
dos portugueses, e a cruz de Cristo,
ambas existentes na bandeira da independência,
constituía uma quebra das tradições
luso-brasileiras.
Infelizmente, os símbolos estabelecidos
pela república, e não referendados
explicitamente pelo povo, ao contrário
do Hino nacional, ou pela constituição
de 1891, se opõem, indiretamente,
à "lei tão simples e tão sábia" que,
segundo Tristão de Ataíde, estabeleceu
entre nós a liberdade espiritual,
ao consignar o seguinte, no parágrafo
7 do artigo 72 do projeto de constituição
do governo provisório, cuja redação
se deve a Rui Barbosa: "Nenhum culto
ou igreja gozará de subvenção oficial,
nem terá relações de dependência ou
aliança com o governo da União, ou
dos Estados".
Além do mais, ao adotar uma legenda
positivista, o pavilhão vai contra
uma das idéias fundamentais da "Apreciação
filosófica" de Teixeira Mendes: "Ele
devia também eliminar tudo quanto
pudesse perturbar o sentimento de
solidariedade cívica, por traduzir
"crenças que não são mais partilhadas
por todos os cidadãos" (o grifo é
nosso). Seriam o positivismo e a maçonaria
partilhados por todos os cidadãos?
Símbolo
e constituição
Aliás, por falar em constituições,
convém estudar o comportamento dos
constituintes em relação aos símbolos
nacionais. A primeira bandeira - a
da independência -, criada pelo decreto
de 13 de setembro de 1822, não foi
mencionada na constituição de 1824.
Do mesmo modo, a bandeira da república,
estabelecida pelo decreto de 19 de
novembro de 1889, não foi citada na
constituição de 1891. A constituição
de 1934 refere-se à bandeira e às
armas da república, onde pela primeira
vez usa-se o S em substituição ao
Z na grafia de Brasil. Na quarta constituição,
imposta por Getúlio Vargas quando
da criação do Estado Novo, mantiveram-se
todos os símbolos nacionais, sem descrevê-los.
No seu artigo 2, determinou que "a
bandeira, o hino, o escudo e as armas
nacionais são de uso obrigatório em
todo o país. Não haverá outras bandeiras,
hinos, escudos e armas. A lei regulará
o uso dos símbolos nacionais". Sem
dúvida, os símbolos só podem ser os
do decreto 4, de 1889, como foi regulamentado
pelo decreto 4545 de 31 de julho de
1942. A única novidade é a eliminação
de símbolos municipais e/ou estaduais.
Na constituição de 1946, esta última
proibição é suprimida, como se pode
verificar pelo que determina o seu
artigo 5: "Compete à união legislar
sobre o uso dos símbolos nacionais",
quais sejam o hino, o selo e as armas
vigentes na data da sua promulgação,
estabelecendo ainda que os estados
e os municípios podem ter símbolos
próprios. Mais tarde, o decreto 5.443,
de 28 de maio de 1968, revogou o decreto-lei
4.545, de 1942, e estabeleceu uma
nova e extensa lei que dispunha de
modo pormenorizado sobre a forma e
apresentação dos símbolos nacionais,
inclusive o hino. Quatro anos depois,
o decreto 5.700 de primeiro de setembro
de 1971, que acompanhou as diretrizes
principais do decreto 5.443, estabeleceu
as normas gerais, incluindo, anexos,
desenhos da bandeira e das armas em
modelos que facilitam a sua reprodução
exata, bem como definiu a posição,
grandeza e denominação de cada estrela
na esfera celeste central da bandeira.
A constituição de 1988, no parágrafo
primeiro do seu artigo 13, definiu
como símbolos da República Federativa
do Brasil a bandeira, o hino, as armas
e o selo nacional. Sem dúvida, os
símbolos só podem ser os do decreto
5.700, de 1971. No parágrafo segundo
do mesmo artigo, estabeleceu que os
estados, o Distrito Federal e os municípios
poderão ter símbolos próprios.
Vejamos, em seqüência, cada um dos
textos referentes à representação
astronômica do céu da república incluído
na bandeira nacional.
Decreto 4 de 19 de novembro de
1889
"Art. 1º - A bandeira adotada pela
República mantém a tradição das antigas
cores nacionaes - verde e amarelo
- do seguinte modo: um losango amarelo
em campo verde, tendo no meio a esfera
celeste azul atravessada por uma zona
branca, em sentido oblíquo e descendente
da direita para a esquerda, com a
legenda - "Ordem e Progresso" - e
pontuada por vinte e uma estrelas,
entre as quais as da constelação do
Cruzeiro, dispostas na sua situação
astronômica, quanto à distância e
ao tamanho relativos, representando
os vinte Estados da República e o
Município Neutro, tudo segundo o modelo
debuxado no Anexo nº 1."
Decreto 5.443 de 28 de maio de
1968
"Art. 3 - A bandeira nacional é a
que foi adotada pelo decreto 4 de
19 de novembro de 1889, podendo ser
atualizada todas as vezes que ocorrer
criação de novos estados, na forma
prevista na constituição do Brasil.
"As constelações que figuram na bandeira
nacional correspondem ao aspecto do
céu na cidade do Rio de Janeiro, às
8h30 min do dia 15 de novembro de
1889 (12 horas siderais) e devem ser
consideradas como vistas por um observador
situado fora da esfera celeste.
"Para
representarem novos estados da união,
escolher-se-ão estrelas que compõem
o aspecto do céu referido no parágrafo
anterior, de modo a permitir-lhes
a inclusão no circuito azul da bandeira
nacional sem afetar a disposição estética
original constante do desenho proposto
pelo decreto 4 de 18 de novembro de
1889."
Decreto 5.700 de 1º de setembro
de 1971
"Art. 3 - A bandeira nacional, de
conformidade com o disposto na constituição,
é a que foi adotada pelo decreto 4
de 19 de novembro de 1889, com a modificação
feita pela lei número 5.443, de 29
de maio de 1968."
"Parágrafo único - Na bandeira nacional
está representado, em lavor artístico,
um aspecto do céu do Rio de Janeiro,
com a constelação Cruzeiro do Sul,
no meridiano, idealizado como por
um observador situado na vertical
que contém o zênite daquela cidade,
numa esfera exterior à que se vê na
bandeira."
Apesar de todas essas alterações nos
textos dos decretos, nenhum deles
levou em consideração "os erros capitais
contra a astronomia" apontados por
Eduardo Prado, em 1903, e quase todos
confirmados, mais tarde, em 1929,
pelo astrônomo Henrique Morize (1860-1930),
em uma carta a Eurico Góis, célebre
autor de A bandeira positivista (1927).
Do ponto de vista estritamente astronômico
podemos afirmar:
1 - A bandeira nacional não exibe
o aspecto do céu do Rio de Janeiro,
pois ela não reproduz o aspecto do
céu, graficamente representável nas
cartas celestes, como vistas nem do
Rio de Janeiro, nem de nenhuma parte
da Terra. Para vê-lo como está na
bandeira, teríamos que estar situados
muito além: no infinito. Não é o aspecto
visível. O que vemos é o céu invertido,
de modo que as estrelas que estão
a oeste no horizonte da cidade do
Rio de Janeiro, na bandeira, estão
a leste.
2 - A constelação do Cruzeiro do Sul
foi colocada em sua passagem pelo
meridiano, ou seja, em pé. Ora, quando
isso ocorreu eram 8h30min. do dia
15 de novembro de 1889, o que não
coincidia com a hora provável da proclamação
da República que deve ter ocorrido
às 11h, quando o Cruzeiro do Sul já
tinha passado do meridiano e começava
a se pôr em direção ao horizonte oeste.
3 - A faixa ou zona branca, com os
dizeres "Ordem e Progresso", representa
o zodíaco, como muito bem afirma Morize,
se bem que sua dimensão e localização
sejam incorretas.
4 - Além de exageradamente ampliado
em sua dimensão, o Cruzeiro do Sul
está visivelmente deslocado. De fato,
a sua estrela Gamma Crucis (Gama do
Cruzeiro) encontra-se quase no zênite,
quando na realidade ela culmina a
mais de 33º do zênite.
5 - A estrela Espiga (Alfa Virginis
- Alfa de Virgem) encontra-se numa
posição deslocada. Ela deveria estar
oculta pela faixa do zodíaco, isto
é, situada no interior da faixa branca,
onde se lê "Ordem e Progresso".
6 - As proporções entre as constelações,
em particular as do Triângulo e do
Escorpião, estão totalmente fora das
suas dimensões relativas, o que faz
com que se apresentem bastante diferentes
do aspecto normal quando vistas no
céu, quer pela adição ou supressão
de outras. É inconcebível que não
se tenha incluído as estrelas Alpha
Centauri (Toliman ou Rigel Kentauri)
e Beta Centauri (Agena), em virtude
de seu brilho superior às outras incluídas,
como as da constelação do Triângulo,
por exemplo.
Projeto
simplificado para a bandeira
Não temos dúvidas de que se tivermos
que adotar a posição do astrônomo
Manuel Pereira Reis, autor do projeto
da bandeira de 1889, segundo a qual
"tratando-se de um símbolo, era descabida
a preocupação de conservar o rigor
de uma carta celeste", melhor seria
elaborar um novo projeto mais simplificado
que satisfizesse as exigências da
heráldica. O novo lábaro deveria conservar
o verde e o amarelo, como cores obrigatórias;
o azul dos republicanos; a constelação
do Cruzeiro do Sul, instituída pelo
fundador do império - D. Pedro II
- e que o proclamador da república
- marechal Deodoro da Fonseca - manifestou
o desejo de conservar, como propõe
Luís Marques Poliano, em Heráldica
(1986). Na realidade, acreditamos
que, se quisermos mantê-la com o aspecto
do céu, como propõem os diversos decretos,
a bandeira nacional deveria estar
de acordo com as normas astronômicas
para que, ao ser comparada com outras,
não fosse motivo de risos no exterior.
Não resta dúvida sobre a representação
usada; para tanto basta comparar o
aspecto do céu no momento da proclamação
e o visto no pavilhão nacional.
É
lamentável verificar que a idéia de
Pereira Reis acabou sendo aceita por
outros astrônomos que ocupam a direção
do Observatório Nacional, dentre eles
Lélio I. Gama, em 1964 e 1967, e Luís
Muniz Barreto, em 1969.
Um
caso curioso é o do astrônomo Luiz
Cruls (1848-1908). Forçado a se pronunciar
à crítica exposta pela Société Astronomique
de France, de que o mais lógico seria
adotar o pólo sul na parte superior
do desenho do céu, Cruls pronunciou-se
a favor da posição do sul na parte
inferior, como está na bandeira, não
defendendo a conveniência para o astrônomo,
situado no hemisfério sul da posição
aconselhada pelos franceses. Aliás,
esta última é a usada por Cruls em
suas obras. Convém lembrar, neste
momento, que o Brasil, no século passado,
quando ainda não se usava mais representar
nas cartas celestes as constelações
como eram vistas nos globos, ou seja,
fora da esfera celeste, publicou-se
um atlas e uma carta celeste que adotavam
este processo já ultrapassado. O primeiro
foi o Céu (1887) de Manuel Pereira
Reis e o segundo foi o Atlas celeste
(1896) de Luís Cruls.
De
janeiro a junho, o céu da proclamação
No Brasil, os primeiros conjuntos
de cartas celestes, representando
o céu como visto do interior da esfera
celeste, o Atlas celeste (1971) e
a Carta celeste (1971), ambos de minha
autoria, só foram publicados há dezoito
anos.
Convencionou-se considerar como céu
da proclamação da república o aspecto
celeste apresentado às 18h37min, quando
o Cruzeiro do Sul passou pelo meridiano
do Rio de Janeiro, no dia 15 de novembro
de 1889, como está representado na
bandeira nacional. Como era dia, naquele
instante, as estrelas não estavam
visíveis. Hoje, logicamente sem a
presença dos planetas observáveis
naquele momento, podemos visualizar,
à noite, aquele céu: em 15 de janeiro,
às 4h30min; em 15 de fevereiro, às
20h30min, em 15 de março, às 00h30min;
em 15 de abril, às 22h30min; em 15
de maio, às 20h30min; e em 15 de junho,
às 20h30min. As possibilidades são
maiores, mas limitamo-nos aos dias
15 de cada mês. Aliás, com auxílio
da nossa Carta celeste do Brasil,
editada pela Livraria Francisco Alves,
poderemos facilmente verificar que
a essas datas correspondem outras
intermediárias que reproduzem o aspecto
do céu muito semelhante ao do momento
convencional da proclamação da república.
Dentre as constelações visíveis no
céu, na manhã do histórico dia 15
de novembro, foram escolhidas, para
figurar na bandeira e representar
os seus respectivos estados, as seguintes
estrelas que descrevemos segundo as
constelações:
Cruzeiro
do Sul (Crux Australis)
Estrela
de Magalhães (Alpha Centauri), São
Paulo; Mimosa (Beta Centauri), Rio
de Janeiro; Rubídea (Gamma Centauri),
Bahia; Pálida (Delta Centauri), Minas
Gerais; Intrometida (Epsilon Centauri),
Espírito Santo.
Virgem
(Virgo)
Spica
(Espiga - Alpha Viginis), Pará.
Escorpião
(Scorpius)
Antares
(Alpha Scorpii), Piauí; Acrab (Beta
Scorpii), Maranhão; Wei (Epsilon Scorpii),
Ceará; Sarges (Teta Scorpii), Alagoas;
Girtab (Kapa Scorpii), Paraíba; Shaula
(Lambda Scorpii), Rio Grande do Norte;
(Mu Scorpii), Pernambuco; (Iota Scorpii),
Sergipe.
Cão
Maior (Canis Major)
Sirius
(Alpha Canis Majoris), Mato Grosso.
Cão
Menor (Canis Minor)
Procyon
(Alpha Canis Minoris), Amazonas.
Navio
(Argus)
Canopus
(Alpha Carinae), Goiás.
Triângulo
Austral (Triangulum Australe)
lAtria
(Alpha Trianguli Australis), Rio Grande
do Sul; (Beta Trianguli Australis),
Santa Catarina; (Gamma Trianguli Australis),
Paraná.
Oitante
(Octans)
Polaris Australis (Sigma Octantis),
Brasília, DF.
Hidra
(Hydra)
Alphard
(Gamma Hydrae), Acre.
As
estrelas das constelações Ursa major
(Ursa Maior); Lyrae (Lira); Canes
Venatici (Cães de Caça); Bootes (Boeiro),
com estrela Arcturus, a quarta mais
brilhante do céu; Leo (Leão), com
a estrela Regulus de primeira magnitude;
Libra (Balança); Ophiuchus (Ofiúco);
Centaurus (Centauro), com as estrelas
Toliman e Agena, respectivamente,
a terceira e a décima primeira estrelas
mais brilhantes do céu; Lupus (Lobo);
Sagitarius (Sagitário); Musca (Mosca);
Ara (Altar); Volans (Peixe Voador);
Hydrus (Hidra Macho); Pavo (Pavão);
Doradus (Dourado) não foram representadas
no pavilhão brasileiro, apesar de
estarem visíveis na abóbada celeste
às 8h37min, que constitui o aspecto
do céu figurado na bandeira nacional.
É incompreensível que algumas das
mais brilhantes estrelas do céu, no
momento da Proclamação da República,
como por exemplo Toliman (Alfa do
Centauro), a estrela mais próxima
de nós, depois do Sol, e as estrelas
de primeira magnitude, como Arcturus,
Regulus e Agena tenham sido excluídas.
A única explicação provável, tendo
em vista a competência do astrônomo
Pereira Reis, é a rapidez com que
foi elaborada a carta celeste que
figura na bandeira. Infelizmente todos
esses pequenos enganos permaneceram
durante um século. Que se mantenham
as influências maçônico-positivista,
em nome da tradição, é compreensível,
pois sem dúvida a contribuição destas
seitas foi fundamental ao movimento
que culminou com a república. Por
outro lado, a Igreja Católica está
muito bem representada pelo Cruzeiro
do Sul, outro fator influente de nossa
nacionalidade. Todavia, não se compreende
e nem se pode aceitar os erros de
natureza astronômica, corajosamente
apontados pelo astrônomo Henrique
Morize no início do século.
Finalizando
esta análise crítica, gostaríamos
de reproduzir as palavras de Luís
Henrique Poliano:
"Seremos
nós, brasileiros, mais cultos, mais
avançados política e cientificamente
que o sueco, o francês, o alemão,
o suíço, o polonês, o japonês, o canadense,
o israelense, que dispõem de bandeiras
simplíssimas?
"Por
que teríamos nós de aparecer no cenário
mundial com uma bandeira que só os
privilegiados compreendem? Qualquer
garoto daquelas nações pega um pedaço
de carvão e traça numa parede sua
bandeira e lhe menciona as cores.
Peçamos
isso a um brasileiro letrado!"
In: Revista do Brasil. Prefeitura
da cidade do Rio de Janeiro/Rio Arte/Fundação
Rio. Rio de Janeiro, ano 4 nº 8/89,
pp. 48-49.
Ronaldo
Rogério Mourão é pesquisador titular
do Museu de Astronomia do Rio de Janeiro.
Fonte:
Pesquisas Barsa