Turcos ou Libaneses?

Romance de Jorge Amado

O belo romance de Jorge Amado intitulado "A descoberta da América pelos turcos", oferece uma boa oportunidade para esclarecer-se a pitoresca confusão entre turcos, árabes, sírios e libaneses, pois esta confusão ainda tem muita influência na vida prática.

Libaneses ou turcos? Como o próprio Jorge Amado afirma em seu romance, nunca houve turcos no Brasil. Por que, então, eram os primeiros imigrantes libaneses chamados de turcos? Para responder a esta pergunta devemos retroceder um pouco na história. Nos séculos XII e XIII, quando a civilização árabe estava em seu apogeu, invadiram o Oriente Médio hordas bárbaras vindas da Ásia Central: Tarmelão e seus tártaros, Gengis Khan e seus mongóis, Osman e seus turcomanos.

Eram conquistadores impiedosos que só sabiam destruir e tiranizar. No centro de Siwas, Tarmelão mandou esmagar, sob os cavalos, mil crianças que os sitiados lhe enviaram para enternecê-lo depois de ocupar Bagdá. O mesmo tirano entregou os habitantes a uma matança que durou oito dias. Com as cabeças dos mortos, os soldados edificaram vinte pirâmides.

Tarmelão e Gengis Khan passaram rapidamente, mas os turcomanos fundaram o Império Otomano, que durou oito séculos ininterruptos, até o fim da Primeira Guerra Mundial. Nessa altura o Oriente Médio não era mais aquela terra privilegiada, berço de grandes civilizações; virara uma grande região desolada e decadente.
Em 1860, os turcos incitaram uma religião contra a outra e houve massacre de muitos libaneses cristãos.

A Europa se comoveu e obrigou a evacuação da montanha do Líbano, de maioria cristã, que foi declarada zona autônoma do Monte Líbano. Em volta desta pequena zona, dominava o Império Otomano. Ora, ao longo dos séculos e desde a época dos fenícios, os libaneses tinham sobrevivido e prosperado, graças às suas relações livres com o resto do mundo, pois o Líbano em si, apesar de suas belezas, é uma terra restrita e árida, desprovida de riquezas naturais como o ouro e o petróleo. Seus únicos produtos são os homens, conforme a observação de Georges Buis em seu livro "La Barque": "Este país nada produz além de seus habitantes, mas que príncipes da mente!"

Cortados do mundo pela presença Otomana, eles conheceram as privações e a pobreza. Seu único recurso era emigrar, mas o Monte Líbano, não sendo um Estado, não podia emitir passaportes e os libaneses tinham que viajar com passaportes de autoridades turcas; o passaporte do opressor naquela época. Na Europa e nas Américas, o nome turco era bastante desprestigiado. Os libaneses foram chamados de turcos de acordo com o seu passaporte e tiveram que arcar com as conseqüências.

Na Colômbia, por exemplo, quando em 1946, Gabriel Torbay, de origem libanesa, era candidato à Presidência da República pelo Partido Liberal, o partido mais importante, seu adversário, Eliecer Gaitan, combateu-o com um mero slogan, repetindo milhões de vezes por todos os meios de comunicação: "Gaitan? Si, turco? No". A força da palavra foi avassaladora. Torbay perdeu as eleições.

Para escapar ao apelido destruidor, muitos imigrantes recorreram ao expediente de traduzir o nome para tirar-lhe a conotação árabe, responsável pela confusão com os turcos. O expediente foi usado tanto em inglês como em espanhol e português, produzindo, às vezes, resultados hilariantes.

Eis alguns exemplos tirados do inglês: Hanna El-Ferran virara John Baker, Boutros El Haddad, Peter Smith, Boutros Al-Asmar, Peter Brown. Em espanhol as traduções eram igualmente pitorescas: Daher Fares virara Alfredo Feliz de Lade; Hanna El-Mkihs, Juan Serio. Dizem que Fidel Castro é filho de libaneses e que seu nome é Fadlu Kassiti.

Por necessidade, o português seguiu a moda. Youssef Dau virara José da Luz; Antun Chaniny, Antônio Ramos; Naum Chedid, José Maria Fortes; Hanna Dib, João Lobo (todas estas traduções são literais e por isso tão saborosas).

Hoje os libaneses não mais traduzem seus nomes no Brasil nem alhures. Ao contrário, são orgulhosos de sua origem. Mas quando alguém quer magoá-los, volta a chamá-los de turcos.

N.E.: Os turcos dos quais trata o presente artigo são os componentes do Antigo Império Otomano que não mais existe. A Turquia atual é um país moderno, progressista e que merece todo apreço.

Autoria de Mansur Challita
Presidente da Associação Cultural Internacional Gibran


 

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