Exigimos Ética na Política

Exigimos ética na política

Cândido Grzybowski*


O respeito à diversidade e à pluralidade são fundamentais para que a democracia opere e produza sociedades cada vez mais democráticas. Isto se traduz em tolerância política com forças sociais diferentes e opositoras e em prática da incerteza quanto aos resultados possíveis dos conflitos e disputas democráticas. Até a tensão entre legitimidade de demandas e lutas por direitos e sua legalidade – pela existência ou não de marco legal regulatório de tais direitos – é aceitável nas democracias, desde que pautada por princípios e valores éticos constitucionais. A tolerância acaba ou deve acabar quanto se atravessa tal fronteira.


A privatização, isto é, a busca de vantagens pessoais ou de privilégios para o grupo político em detrimento do bem público, pela corrupção, clientelismo e até pelo velho coronelismo, é uma das formas mais radicais de ruptura com a ética na política e, portanto, ameaça à democracia. Por isto mesmo, não há condescendência possível com tais práticas. Ou nos insurgimos e dizemos não!, em alto e bom tom, ou, como um câncer maligno, a privatização do público corrói e mata a cidadania. Meias respostas são insuficientes.


Somos como que acordados(as), de tanto em tanto, com notícias de corrupção e clientelismo, envolvendo as mais diferentes esferas políticas e representantes do variado espectro de forças políticas constituídas no Brasil, da situação e da oposição. No mínimo, é bastante alarmante o nepotismo e a quase descarada prática do favor que Severino Cavalcanti parece defender como norma para a Câmara Federal, desde que eleito presidente com o apoio de esmagadora maioria de parlamentares.


Temos também as suspeitas que pesam contra os ministros Henrique Meireles, presidente do Banco Central, e Romero Jucá, da Previdência Social, ainda sob investigação. Propinas são cobradas nos Correios por agentes políticos. Deputados estaduais negociam pagamento com o governador de Rondônia para votar a seu favor, conforme gravação do próprio, exibida em rede nacional de televisão. Isto para ficar nos casos mais presentes no debate público.


Sem dúvida, a transparência maior, a vigilância da cidadania e da mídia, a falta de tolerância com deslizes éticos, a presteza da atuação do Ministério Público e a firmeza da Procuradoria Geral estão ajudando muito. Aliás, o próprio Judiciário acaba de demonstrar firmeza na condenação do casal Garotinho e do prefeito de Campos pela prática de corrupção nas últimas eleições municipais. Mas como explicar a persistência da privatização do bem público e da usurpação da cidadania, cujos casos aqui lembrados são apenas uma ponta?


Podemos gostar ou não dos partidos e dos representantes que a nossa cidadania conseguiu produzir neste curto espaço de 20 anos de verdadeiro exercício democrático. O fato é que, aos trancos e barrancos, próprio das democracias com vitalidade, estamos avançando bastante. As eleições periódicas são uma demonstração de muita ânsia por criar um novo Brasil, de liberdade e de direitos iguais para todos(as) os(as) brasileiros(as), mesmo quando os resultados surpreendem.


Mas não participamos só pelo voto. Temos demonstrado muita vitalidade em ações diretas, seja por meio de movimentos sociais – reveladores dos muitos sujeitos sociais deste nosso Brasil gigante – seja por meio de megamobilizações de rua, como Diretas Já, Constituinte, Ética na Política e Impeachment do Collor, Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida. No entanto, ainda não vencemos o persistente cancro da corrupção, clientelismo e coronelismo. Este é um Brasil que teima em não desaparecer para dar lugar à construção de um Brasil includente, solidário, participativo, com desenvolvimento humano democrático e sustentável.


Sem dúvida, estamos diante da necessidade de renovar a luta por ética na política. Isto passa por substancial reforma política. Não é possível continuar elegendo representantes que, uma vez eleitos(as), fazem o que querem com a representação que lhe delegamos. O troca-troca partidário fragiliza os partidos e estimula a tendência à privatização de tudo o que é público. Fortalecer partidos é, neste sentido, indispensável para que o processo democratizador avance. Mas não é suficiente.


Somos nós, cidadãs e cidadãos de todos os quadrantes do Brasil, que precisamos nos insurgir. Não podemos aceitar ser transformados(as) em objetos de corrupção, compra de votos, clientes de favores. Somos depositários(as) de direitos de cidadania, constituintes da política, dos partidos, do Estado e da democracia. A ética é a nossa única base e referência comum para fazer andar as instâncias de poder e de política que derivam de nossa soberana vontade. Exijamos, aqui, agora e sempre, ética na política, de forma intransigente. Esta é a condição para que os direitos e a democracia tornem o nosso desenvolvimento produtor de igualdade e justiça social na diversidade e vitalidade do que somos como povo.


* Sociólogo, diretor do Ibase


Publicado em 20/05/2005.

Fonte:Ibase

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