Defensor dos velhinhos
   

O médico Robert Neil Butler criou o primeiro departamento de geriatria nos Estados Unidos. Recebeu prêmio Pulitzer pelo livro Why Survive? Being Old in America e escreveu mais de 300 artigos sobre medicina e envelhecimento.
Natalia Cuminale



"Ainda temos muitas atitudes negativas relacionadas aos mais velhos. Eles sofrem discriminação no ambiente de trabalho e também são vítimas de preconceito na assistência à saúde. Os médicos parecem estar menos dispostos a tratar uma doença em idosos do que em pacientes mais novos"

"Os próprios idosos poderiam contribuir, por exemplo, trabalhando por mais tempo – em vez de se aposentar. Aqueles que trabalham mais beneficiam sua própria saúde e também ajudam a sociedade."


“Sou otimista em relação ao envelhecimento da população e como as pessoas vão lidar com isso”, diz Robert Neil Butler, presidente do Internacional Longevity Center (Centro Internacional de Longevidade). Assim como vários senhores que chegam aos oitenta e três anos de idade, o psiquiatra e geriatra Robert N. Butler tem muita história para contar. Ao longo de suas mais de oito décadas de vida, Butler escreveu livros, acumulou prêmios e marcos para a história da medicina.

 

Há 40 anos, ele cunhou o termo “ageism”, para referir-se à discriminação contra idosos. Em 1975, fundou o National Institute on Aging e, no ano seguinte, ganhou um dos mais prestigiados prêmios literários americanos, o Pulitzer, pelo livro Why Survive? Being Old in America (Por que Sobreviver? Envelhecendo na América, sem edição no Brasil). E, em 1982, criou o primeiro departamento de geriatria nos Estados Unidos, na Mount Sinai School of Medicine, em Nova York.

Butler foi o primeiro médico a defender que os estudos sobre o Alzheimer deveriam ter status de prioridade nacional. Mesmo com o passar dos anos, não desanima: continua a lutar por um envelhecimento saudável e por condições ideais de tratamento para os mais velhos. “Precisamos treinar os médicos para que tratem melhor os pacientes idosos. Ninguém deveria se graduar numa escola de medicina sem conhecer os aspectos básicos do envelhecimento”.

Durante sua trajetória, ele assinou mais de 300 artigos científicos e médicos. Neste ano, lançou o livro The Longevity Prescription (A Receita da Longevidade) . Entre as recomendações, a principal: “Sabemos que todos precisam de um propósito, de uma paixão, alguma coisa que dê sentido e faça a diferença para a vida das pessoas– isso ajuda qualquer um a viver mais.” De seu escritório em Nova York, Robert Butler concedeu entrevista a VEJA.com, por telefone.

Com o aumento da expectativa de vida, quais serão os principais desafios da nova realidade demográfica?
Haverá mudanças em vários aspectos. Em primeiro lugar, culturalmente: tanto o Brasil quanto os Estados Unidos terão que se acostumar com essa grande mudança que ocorrerá em nossa sociedade. O envelhecimento global afetará a economia do mundo todo, o modo como lidaremos com os custos de assistência médica, como destinaremos recursos para a saúde e como trataremos certas doenças que surgem com o envelhecimento. Muitos desafios surgirão com essa extraordinária mudança da demografia.

Os avanços da medicina foram responsáveis por estender a vida humana. Mas o senhor acredita que as pessoas estão envelhecendo com a qualidade de vida necessária?
Não posso falar sobre os países em desenvolvimento, mas em lugares como o Japão, França e Estados Unidos, por exemplo, as pessoas não estão apenas vivendo mais tempo, mas observamos queda na taxa de incapacidade funcional (quando um idoso possui dificuldades, psicológicas ou fisiológicas, que interferem diretamente na possibilidade de exercer atividades cotidianas). É que chamamos de “compressão na morbidade”, que significa assegurar qualidade na ampliação da expectativa de vida. Então essa é uma boa notícia porque temos uma vida mais longa, mais saudável e com mais qualidade. Com certeza, é algo mais difícil de se alcançar em países pobres, onde os recursos para a saúde são mais escassos.

O que as pessoas precisam fazer para envelhecer com qualidade?

Recentemente, lancei o livro The Longevity Prescription, que fala sobre prevenção e indica atitudes para uma vida longa saudável: como uma alimentação melhor, exercícios físicos regulares, não fumar, consumir álcool moderadamente. Além disso, também escrevi sobre redução do estresse e a importância da conexão entre as pessoas, como um relacionamento é importante para uma vida saudável. Por exemplo, nós sabemos que pessoas casadas vivem mais do que aquelas que não são. Por último, sabemos que todos precisam de um propósito, de uma paixão, alguma coisa que dê sentido e faça a diferença para a vida dela– isso ajuda qualquer um a viver mais.

O senhor acredita que a geriatria será a especialidade médica do futuro?
Temos cardiologistas, neurologistas, ortopedistas e todos eles são importantes para o tratamento dos idosos. O que precisamos é de um profissional para concentrar os cuidados primários. Nos Estados Unidos, o paciente passa por vários médicos diferentes e cada um dos profissionais passa um medicamento para uma condição específica. O problema é que a combinação dos remédios ou as doses inapropriadas podem não ter o efeito esperado ou podem comprometer a qualidade do tratamento. Ninguém coordena isso. Nesse sentido, a geriatria é extremamente importante. Acho que existe uma preocupação geral na medicina americana sobre como tratar melhor e como dar assistência às pessoas que estão envelhecendo. Mas a verdade é que eles não têm feito muito. Ainda temos trabalho a fazer.

O que pode ser feito para preparar os médicos para cuidar de uma sociedade mais velha?
Precisamos treinar os médicos para que eles tratem melhor os pacientes idosos. Ninguém deveria se graduar numa escola de medicina sem conhecer os aspectos básicos do envelhecimento. Ensiná-los sobre os problemas da prescrição combinada de medicamentos, atentá-los para as características das doenças, já que muitas vezes elas se comportam de maneira diferente durante a velhice. Então temos vários conhecimentos básicos que precisamos ensinar aos médicos para que eles tratem bem os pacientes mais velhos.

Os convênios médicos tendem a ser mais caros para as pessoas mais velhas, que são as que mais precisam. Uma sociedade com idade avançada tende a precisar de mais cuidados médicos. Como resolver essa equação? É possível manter uma longevidade financeiramente segura?
Sim, os serviços de saúde são mais caros para pessoas mais velhas porque elas têm mais que uma doença. Eu acho que uma das formas de tornar esse tratamento mais barato é ter um grupo de médicos para cuidados primários: capazes de tratar as condições mais básicas e de destinar pessoas para os especialistas indicados. E volto a dizer que os profissionais precisam ser treinados. Se houvesse mais preparo, não ocorreriam tantos erros médicos que, além de arriscar a vida dos pacientes, também encarecem o tratamento final. Sem o conhecimento necessário, os médicos podem mandar para a casa um paciente com sintomas de pneumonia ou de ataque cardíaco. Liberar uma pessoa sem tratamento também não é economicamente viável.

Há 40 anos, você cunhou o termo “ageism”, que significa discriminação contra os idosos. Você acredita que houve melhora após esse tempo?
Sinceramente não. Apenas um em cada dez lares especializados em cuidados com idosos americanos possui a estrutura e a qualidade necessária para isso. Ainda temos muitas atitudes negativas relacionadas aos mais velhos. Eles sofrem discriminação no ambiente de trabalho e também são vítimas de preconceito na assistência à saúde. Os médicos parecem estar menos dispostos a tratar uma doença em idosos do que em pacientes mais novos.

O que o senhor pensa sobre fórmulas que prometem uma vida mais longa, como terapia antienvelhecimento?
Ainda temos um longo caminho até chegarmos lá. Mas existem informações promissoras de terapias que seriam capazes de diminuir o ritmo de envelhecimento e assim poderiam retardar o aparecimento de doenças que surgem com o avanço da idade. Eu não disse parar e nem reverter o processo de envelhecimento, mas sim retardar. Por exemplo, 80% de todos os tipos de câncer ocorrem com aqueles que têm mais de 60 anos. Supondo-se que seja possível retardar o envelhecimento, poderíamos adiar o aparecimento do câncer para depois de 70 anos. Teríamos um impacto incrível contra o câncer.

Nós sabemos que o envelhecimento também pode ser um fator de risco para o aparecimento de doenças como o Alzheimer. No passado, o senhor definiu a doença como prioridade nacional de pesquisa científica. O que mudou desde então?
Eu estabeleci o Alzheimer como prioridade nacional em 1977. Naquela ocasião, eram destinados menos de um milhão de dólares para estudos com o Alzheimer. Atualmente, gastamos meio bilhão ou mais. Então, nós estamos estudando mais para tentar entender como funciona essa doença devastadora. No entanto, nós ainda não encontramos a cura, mas muito bons trabalhos têm sido realizados durante esses anos.

O senhor acredita que é possível que a nova geração tenha um tempo de vida menor do que a geração atual por conta da epidemia da obesidade?

É um problema muito sério. Tenho uma grande angústia em ver como os jovens americanos estão se alimentando atualmente e para onde isso poderá levá-los. Crianças estão obesas, com diabetes e outros problemas relacionados. As pessoas precisam mudar sua alimentação. Nossas crianças precisam comer mais frutas e vegetais e devem ser orientadas sobre a ingestão excessiva de calorias.

O aumento da expectativa de vida não é um fenômeno apenas dos Estados Unidos, é mundial. Como o senhor enxerga essa situação daqui a cinquenta anos?
Sim, é um fenômeno mundial. Por isso, acho que no futuro as nações devem se unir para melhorar a qualidade de vida e controlar o gasto econômico ao mesmo tempo. Sou otimista em relação ao envelhecimento da população e em como as pessoas vão lidar com isso. O Brasil também vai melhorar, deve diminuir a taxa de incapacidade funcional. Acredito que vamos continuar a melhorar as condições de vida dos idosos com o passar do tempo. E espero, principalmente no caso da obesidade, que possamos reverter essa situação.

Você acredita que os governos farão o necessário para lidar com o envelhecimento da população?
Acho que não são só os governos que têm essa responsabilidade. Médicos, familiares e os próprios indivíduos podem fazer sua parte para melhorar a qualidade de vida e garantir um envelhecimento saudável da população. Acho que não estamos fazendo o que poderíamos fazer pelas pessoas mais velhas. Além disso, os próprios idosos poderiam contribuir, por exemplo, trabalhando por mais tempo – em vez de se aposentar. Aqueles que trabalham mais beneficiam sua própria saúde e também ajudam a sociedade. As pessoas podem fazer trabalhos voluntários. Você consegue dois benefícios pelo preço de um. Cuidando de si próprio e colaborando para a sociedade.

Eu sei que você é um grande especialista nesse tema, o grande incentivador desse debate. Mas o que fez o senhor se interessar por esse assunto?
Bem, precisamos voltar para 1955, quando eu era um jovem médico de alguma forma eu pensava no crescimento da população mais velha. Esse era um assunto muito desafiador porque ainda não sabíamos muito sobre envelhecimento. Eu pensava que as pessoas iriam envelhecer e que elas precisariam de atenção.

Quando era criança, o senhor chegou a cogitar em seguir essa carreira?
É fascinante que você tenha me perguntado isso. Quando criança, eu era muito próximo do meu avô, nós vivemos muitos bons momentos juntos. Sofri muito quando ele morreu subitamente. Com sete anos, decidi que queria me tornar médico. Eu tinha certeza que se eu estudasse isso, poderia ajudar pessoas como ele. E assim as pessoas poderiam viver por mais tempo.

Algumas pessoas têm medo de envelhecer. O que o senhor pode dizer a elas?
O que eu sei é que muitas pessoas têm medo de morrer e ficam ansiosas por saber como elas vão morrer. O mais importante é mostrar para as pessoas que uma vida saudável e de alta qualidade é possível. Os idosos que vivem o melhor da vida conseguem lidar melhor com esse medo.

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