Pré-história tecnológica
Introdução
[topo]
Como
já foi dito, só foi possível
chegar aos computadores
pelas descobertas teóricas
de homens que, ao longo
dos séculos, acreditaram
na possibilidade de criar
ferramentas para aumentar
a capacidade intelectual
humana e dispositivos para
substituir os aspectos mais
mecânicos do modo de pensar
do homem. E desde sempre
esta preocupação se manifestou
na construção de mecanismos
para ajudar tanto nos processos
de cálculo aritmético como
nas tarefas repetitivas
ou demasiado simples, que
pudessem ser substituídas
por animais ou máquinas.
Neste capítulo tratar-se-á
dos dispositivos físicos
que precederam o computador,
principalmente as máquinas
analógicas que incentivaram
a corrida final até o aparecimento
dos computadores digitais.
Dispositivos
mais antigos
[topo]
Os
primeiros dispositivos que
surgiram para ajudar o homem
a calcular têm sua origem
perdida nos tempos. É o
caso por exemplo do ábaco
e do quadrante. O primeiro,
capaz de resolver problemas
de adição, subtração, multiplicação
e divisão de até 12 inteiros,
e que provavelmente já existia
na Babilônia por volta do
ano 3.000 a.C. Foi muito
utilizado pelas civilizações
egípcia, grega, chinesa
e romana, tendo sido encontrado
no Japão, ao término da
segunda guerra mundial.
O
quadrante era um instrumento
para cálculo astronômico,
tendo existido por centenas
de anos antes de se tornar
objeto de vários aperfeiçoamentos.
Os antigos babilônios e
gregos, como por exemplo
Ptolomeu, usaram vários
tipos de dispositivos desse
tipo para medir os ângulos
entre as estrelas, tendo
sido desenvolvido principalmente
a partir do século XVI na
Europa. Outro exemplo é
o compasso de setor, para
cálculos trigonométricos,
utilizado para se determinar
a altura para o posicionamento
da boca de um canhão, e
que foi desenvolvido a partir
do século XV.
Os
antigos gregos chegaram
até a desenvolver uma espécie
de computador. Em 1901,
um velho barco grego foi
descoberto na ilha de Antikythera.
No seu interior havia um
dispositivo (agora chamado
de mecanismo Antikythera)
constituído por engrenagens
de metal e ponteiros. Conforme
Derek J. de Solla Price,
que em 1955 reconstruiu
junto com seus colegas essa
máquina, o dispositivo Antikythera
é "como um grande relógio
astronômico sem a peça que
regula o movimento, o qual
usa aparatos mecânicos para
evitar cálculos tediosos"
(An Ancient Greek
Computer, pg. 66§1). A descoberta desse dispositivo, datado do primeiro
século a.C., foi uma total
surpresa, provando que algum
artesão do mundo grego do
mediterrâneo oeste estava
pensando em termos de mecanização
e matematização do tempo
(...)"7.
Logaritmos
e os primeiros dispositivos
mecânicos de cálculo
[topo]
John
Napier, Barão de Merchiston,
é bastante conhecido pela
descoberta dos logaritmos,
mas também gastou grande
parte de sua vida inventando
instrumentos para ajudar
no cálculo aritmético, principalmente
para o uso de sua primera
tabela de logaritmo.
A
partir dos logaritmos de
Napier surgiu uma outra
grande invenção, desenvolvida
pelo brilhante matemático
Willian Oughtred e tornada
pública em 1630: a régua
de cálculo. Ganhou sua forma
atual por volta do ano de
1650 (de uma régua que se
move entre dois outros blocos
fixos), tendo sido esquecida
por duzentos anos, para
se tornar no século XX o
grande símbolo de avanço
tecnológico, com uso extremamente
difundido, até ser definitivamente
substituída pelas calculadoras
eletrônicas.
Com
o desenvolvimento dos primeiros
dispositivos mecânicos para
cálculo automático, começa
efetivamente a vertente
tecnológica que levará à
construção dos primeiros
computadores. A preparação
do caminho para a completa
automatização dos processos
de cálculo foi executada
pelos esforços desses primeiros
pioneiros da Computação,
que vislumbraram a possibilidade
da mecanização mas não possuíam
os instrumentos e materiais
adequados para concretizar
seus projetos. Entre esses
grandes nomes não se pode
deixar de citar Wilhelm
Schickard (1592-1635), Blaise
Pascal (1623-1662) e Gottfried
Wilhelm Leibniz (1646-1716).
Existem excelentes obras
sobre essas invenções e
somente serão citados os
elemento básicos que as
compunham§2, pois muitas dessas idéias estarão presentes de
alguma forma nos futuros
computadores.
Quase
todas as máquinas para execução
de cálculos mecânicos desses
três séculos a partir do
XVI tinham 6 elementos básicos
em sua configuração80:
- um
mecanismo através do
qual um número é introduzido
na máquina. Nos primeiros
projetos isto era parte
de um outro mecanismo,
chamado seletor, tornando-se
algo independente nas
máquinas mais avançadas;
- um
mecanismo que seleciona
e providencia o movimento
necessário para executar
a adição ou subtração
das quantidades apropriadas
nos mecanismos de registro;
- um
mecanismo (normalmente
uma série de discos)
que pode ser posicionado
para indicar o valor
de um número armazenado
dentro da máquina (também
chamado de registrador);
- um
mecanismo para propagar
o "vai um" por todos
os dígitos do registrador,
se necessário, quando
um dos dígitos em um
registrador de resultado
avança do 9 para o 0;
- um
mecanismo com a função
de controle, para verificar
o posicionamento de
todas as engrenagens
ao fim de cada ciclo
de adição;
- um
mecanismo de 'limpeza'
para preparar o registrador
para armazenar o valor
zero.
Charles
Babbage e suas máquinas
[topo]
A
idéia de Leibniz de, através
de máquinas, liberar o homem
das tarefas repetitivas
e de simples execução foi
quase posta em prática pelo
matemático e astrônomo inglês
Charles Babbage (1792-1871),
considerado unanimemente
um dos grandes pioneiros
da era dos computadores.
No ano de 1822 ele apresentou
em Londres o projeto de
um mecanismo feito de madeira
e latão, que poderia ter
alterado o rumo da história
se tivesse sido construído
efetivamente. Babbage concebeu
a idéia de um dispositivo
mecânico capaz de executar
uma série de cálculos.
Já
por volta da década de 1820
ele tinha certeza de que
a informação poderia ser
manipulada por máquina,
caso fosse possível antes
converter a informação em
números. Tal engenho seria
movido a vapor, usaria cavilhas,
engrenagens, cilindros e
outros componentes mecânicos
que então compunham as ferramentas
tecnológico disponíveis
em sua época. Para descrever
os componentes de sua máquina
faltavam-lhe os termos que
atualmente são usados. Chamava
o processador central de
"usina" e referia-se à memória
da máquina como "armazém".
Babbage imaginava a informação
sendo transformada da mesma
forma que o algodão - sendo
tirada do armazém e modificada
para algo diferente. Em
1822 Babbage escrevia uma
carta a Sir Humphry Davy,
o então presidente da Royal
Society, sobre automatizar,
como ele próprio dizia,
"o intolerável trabalho
e a cansativa monotonia"
das tabelas de cálculo,
escrevendo um trabalho científico
intitulado "On the Theoretical
Principles of the Machinery
for Calculating Tables"(...)26.
Embora
conhecido por seu trabalho
na área de Computação, não
será demais citar que Charles
Babbage foi também um excelente
matemático e ao lado de
Peacock, Herschel, De Morgan,
Gregory e do próprio George
Boole, pode ser visto como
um dos introdutores da concepção
moderna da Álgebra26.
Além disso foi um dos líderes
da Sociedade Real de Astronomia
inglesa, tendo publicado
também pesquisas no campo
da óptica, meteorologia,
eletricidade e magnetismo,
funcionamento de companhias
de apólices de seguros,
criptologia, geologia, metalografia,
sistemas taxonômicos, máquinas
a vapor, etc. Escreveu e
publicou vários livros,
um deles (On the Economy
of Machinery and Manufacturers)
reconhecido posteriormente
como um dos trabalhos pioneiros
na área chamada Pesquisa
Operacional.
Mas
o que motivou esse inglês
a fazer um dispositivo capaz
de resolver equações polinomiais
através do cálculo de sucessivas
diferenças entre conjuntos
de números (no anexo II
descreve-se o Método
das Diferenças) foi
a necessidade de uma maior
precisão na elaboração de
tabelas logarítmicas.
No
final do século XVIII houve
uma proliferação de tabelas
de vários tipos. Desde Leibniz
e Newton os matemáticos
estiveram preocupados com
o problema da produção de
tabelas, tanto por meios
matemáticos - como no caso
das de multiplicação, seno,
coseno, logaritmos, etc.
- ou por meio de medições
físicas - densidade em função
da altitude, constante gravitacional
em diferentes pontos da
terra, etc. A intenção era
reduzir o trabalho de cálculo,
mas as tabelas produzidas
pelos especialistas tinham
muitos erros. Os matemáticos
estavam cientes deles e
estudos foram elaborados
para se tentar melhorar
a situação. Nestas circunstâncias
apareceu o projeto denominado
Difference Engine
de Babbage, que lhe valeu
o apoio de seus colegas
da Sociedade Real e fundos
do governo britânico para
iniciá-lo.
O
desafio era construir um
dispositivo para computar
e imprimir um conjunto de
tabelas matemáticas. Babbage
contratou um especialista
em máquinas, montou uma
oficina e então começou
a descobrir quão distante
estava a tecnologia do seu
tempo daqueles mecanismos
altamente precisos e de
movimentos altamente complexos
exigidos pelo seu projeto.
A conclusão foi que deveria,
antes de iniciar a construção
da Máquina de Diferenças,
gastar parte dos seus recursos
para tentar avançar o próprio
estado da arte da tecnologia
vigente. Todos estes trabalhos
prolongaram-se por alguns
anos, sem sucesso, até que
o governo inglês desistiu
do financiamento. Em 1833
Charles Babbage parou de
trabalhar em sua máquina§3.
Apesar
de tudo, esse teimoso inglês
já vinha desenvolvendo novas
idéias. Provavelmente tentando
alguma nova modificação
no projeto da Máquina de
Diferenças foi que Charles
Babbage concebeu um mecanismo
mais complicado que este
em que falhara, após vários
anos de tentativas. O pensamento
era simples: se é possível
construir uma máquina para
executar um determindo tipo
de cálculo, por que não
será possível construir
outra capaz de qualquer
tipo de cálculo? Ao invés
de pequenas máquinas para
executar diferentes tipos
de cálculos, não será possível
fazer uma máquina cujas
peças possam executar diferentes
operações em diferentes
tempos, bastando para isso
trocar a ordem em que as
peças interagem?
Era
a idéia de uma máquina de
cálculo universal, que virá
a ser retomada em 1930 por
Alan Turing, e que terá
então consequências decisivas.
Vale ressaltar que o Analitical
Engine, a Máquina Analítica
- nome dado por Charles
Babbage à sua invenção -
estava muito próxima conceitualmente
daquilo que hoje é chamado
de computador.
A
Máquina Analítica poderia
seguir conjuntos mutáveis
de instruções e, portanto,
servir a diferentes funções
- mais tarde isso será chamado
de software... Ele
percebeu que para criar
estas instruções precisaria
de um tipo inteiramente
novo de linguagem e a imaginou
como números, flechas e
outros símbolos. Ela seria
para Babbage "programar"
a Máquina Analítica, com
uma longa série de instruções
condicionais, que lhe permitiriam
modificar suas ações em
resposta a diferentes situações.
Reconhecendo
a importância de se terem
resultados impressos, Charles
procurou que os resultados
finais e os intermediários
fossem impressos para evitar
erros. Dispositivos de entrada
e saída eram assim necessários.
A entrada de dados para
a máquina seria feita através
de três tipos de cartões:
"cartões de números", com
os números das constantes
de um problema; "cartões
diretivos" para o controle
do movimento dos números
na máquina; e "cartões de
operação" para dirigir a
execução das operações tais
como adições, subtrações,
etc. Mas o mais genial estava
por vir: duas inovações
simples mas que produziram
um grande impacto. A primeira
era o conceito de "transferência
de controle" que permitia
à máquina comparar quantidades
e, dependendo dos resultados
da comparação, desviar para
outra instrução ou seqüência
de instruções. A segunda
característica era possibilitar
que os resultados dos cálculos
pudessem alterar outros
números e instruções colocadas
na máquina, permitindo que
o "computador" modificasse
seu próprio programa. Nestes
temas teve importante participação,
Ada Augusta Byron, condessa
de Lovelace, a primeira
efetiva programadora de
computadores, sobre a qual
ainda se falará.
A
máquina de Jacquard, inspiração
de Babbage
[topo]
É
importante fazer uma menção
a Joseph-Mariae Jacquard
(1752-1834), o francês
que introduziu a primeira
máquina para substituir
o trabalho humano. Na verdade,
Babbage despertou para seu
novo projeto observando
a revolução produzida pelos
teares de Jacquard§4.
Era uma máquina que automatizava
os processos de fabricação
de tecido. Para executar
um determinado trançado,
a fiandeira deveria ter
um plano ou programa
que lhe dissesse que fios
deveria passar por cima
ou por baixo, quando repetir
o processo, etc. O ponto
chave da máquina de Jacquard
era o uso de uma série de
cartões cujos buracos estavam
configurados para descrever
o modelo a ser produzido.
O sucesso foi total e em
1812 havia na França 11.000
teares de Jacquard23,
volume V. Adaptando
o tear de Jacquard, a Máquina
Analítica processava padrões
algébricos da mesma maneira
que o tear processava padrões
de desenhos.
Uma
Lady como primeira programadora
[topo]
Ada Augusta Byron (1851 - 1852) era filha do famoso poeta Lord Byron
e foi educada pelo matemático
logicista inglês Augustus
De Morgan. Bem cedo demonstrou
ter grandes talentos na
área. Apresentada a Babbage
durante a primeira demonstração
da Máquina de Diferenças,
tornou-se uma importante
auxiliar em seu trabalho,
sendo sobretudo alguém que
compreendeu o alcance das
novas invenções. Ela percebeu
que diferentemente das máquinas
anteriores com funcionamento
analógico (execução de cálculos
usando medidas),
a Máquina de Diferenças
era digital (execução
de cálculos usando fórmulas
numéricas). Mais importante
ainda, deu-se conta da combinação
entre funções lógicas e
aritméticas na máquina de
Babbage.
Quando
Charles Babbage visitou
Turim a convite do amigo
Giovanni Plana, astrônomo
e compilador de tabelas,
ele ministrou uma série
de palestras para distintos
públicos, incluindo Luigi
F. Menabrea, futuro primeiro-ministro
da Itália. Este ficou impressionado
com o trabalho de Babbage
e tomou uma série de notas,
publicadas depois em 1842
pela Biblioteca da Universidade
de Genebra. Lady Lovelace
traduziu para o inglês essas
notas, acrescentando muitas
observações pessoais26.
Esta publicação e outro
ensaio (Observations
on Mr. Babbage's Analytical
Engine) a colocam como
patrona da arte e ciência
da programação. Conforme
comentado por B.H. Newman,
os escritos de Ada Byron
"mostram como ela teve uma
total compreensão dos princípios
de um computador programado,
um século antes do tempo
deste"53.
Mesmo não estando a máquina
construída, Ada procurou
escrever seqüências de instruções
tendo descoberto conceitos
que seriam largamente utilizados
na programação de computadores
como subrotinas, loops
e saltos.
Outras
Máquinas Diferenciais e
Máquinas Analíticas
[topo]
Embora
não fosse fácil, o trabalho
de Babbage foi divulgado
por um certo Dr. Dionysus
Lardner, que procurou descrever
a máquina e seu modo geral
de operação80.
Um sueco, George Scheutz,
editor de um jornal técnico
de Estocolmo, leu e ficou
entusiasmado pela máquina
descrita por Lardner e,
sem comunicar-se com Babbage,
propôs-se a construir a
sua Máquina de Diferenças,
junto com seu filho§5.
Os anos de 1840, 1842 e
1843 marcaram etapas bem
sucedidas no desenvolvimento
do projeto, culminando com
um modelo preliminar. Em
outubro de 1854 o dispositivo
de Scheutz estava completo
e em funcionamento.
Outros,
como por exemplo Alfred
Decon, inglês, Martin Wiberg,
sueco e G. B. Grant, americano,
construíram modelos derivados
e até 1931 Máquinas de Diferenças
foram construídas para produzir
diferentes tipos de tabelas80.
Com
relação à Máquina Analítica,
parece que o irlandês Percy
Ludgate (1883-1922) projetou
e tentou construir um mecanismo
similar ao de Babbage, conforme
pequena descrição feita
em um diário científico
de Dublin, em 1909.
A
última contribuição do século
XIX: Herman Hollerith
[topo]
O
próximo passo importante
na História da Computação
não está relacionado com
tabelas de cálculo de logaritmos
ou desenvolvimento de leis
do pensamento. O próximo
"pensador" a avançar o estado
da arte foi Herman Hollerith,
um empregado de apenas 19
anos do United States Census
Office. Seu papel não teve
impacto sobre os importantes
fundamentos teóricos da
Computação e sua invenção
já é obsoleta. Mas sua pequena
inovação cresceu tanto na
indústria que mais tarde
Hollerith veio a dominar
o uso da tecnologia de computadores.
Em 1890 ele ganhou a concorrência
para o desenvolvimento de
um equipamento de processamento
de dados para auxiliar o
censo americano daquele
ano. A empresa fundada para
isto, Hollerith Tabulating
Machines, veio a ser uma
das três que em 1914 compôs
a empresa CTR (Calculating-Tabulating-Recording),
renomeada em 1924 para International
Business Machine - IBM34.
Hollerith,
inspirado pelos teares de
Jacquard, desenvolveu a
idéia de se aproveitar os
cartões perfurados dos teares
em uma máquina que pudesse
interpretar, classificar
e manipular as somas aritméticas
representadas pelas perfurações.
Ele combinou cartões perfurados
com os novos dispositivos
eletromagnéticos de então.
Computadores
analógicos
[topo]
Há
uma história interessante
sobre os computadores analógicos,
cujas origens estão em um
passado distante. Muitos
dispositivos analógicos
foram desenvolvidos a partir
do ano 400 a.C. Típicos
instrumentos deste tipo
são os astrolábios, o mecanismo
Antikythera, os instrumentos
de sinalização e os planetários80.
Irá interessar particularmente
para esse trabalho uma classe
específica de instrumentos
analógicos: as máquinas
integradoras, que remontam
a Maxwell, Faraday, Kelvin
e Michelson, entre outros,
que tentaram desenvolver
dispositivos para executar
operações matemáticas46.
Essas foram usadas em projetos
que exigiam a solução de
equações diferenciais e
modelagem de sistemas mais
complexos, como o movimento
das ondas do mar, evoluindo
até os computadores eletrônicos
analógicos, alguns ainda
usados até os dias de hoje
para aplicações especiais.
Tais desenvolvimentos formam
uma parte dessa infraestrutura
que constituiu a base para
o aparecimento dos computadores
digitais.
Um
computador analógico é um
dispositivo no qual os números
são representados por quantidades
medidas e nos quais equações
ou relações matemáticas
são representadas por diferentes
componentes, correspondendo
a operações matemáticas
singulares, tais como integração,
adição ou multiplicação.
Um
dispositivo analógico muito
conhecido é a régua de cálculo.
Ela consiste basicamente
de dois trilhos graduados
de acordo com os logaritmos
de números, e os trilhos
deslizam um sobre o outro.
Os números são representados
através de comprimentos
nos trilhos e a operação
física que pode ser executada
é a soma de dois comprimentos
nos trilhos. Sabe-se que
o logaritmo de um produto
de dois números é a soma
dos logaritmos deles. Assim
pode-se com a régua de cálculo
formar a soma de dois comprimentos
e executar multiplicação
e operações correlatas.
Os
componentes analógicos podem
ser divididos em duas classes,
dependendo da maneira como
os números são representados:
i) por quantidades mecânicas,
como um deslocamento linear
ou rotação angular; ii)
quantidades elétricas, como
voltagem, corrente, impedância,
condutividade.
Se
os deslocamentos lineares
são usados para representar
números, há caminhos simples,
nos quais relações geométricas
podem aparecer através de
formas mecânicas. As operações
matemáticas podem ser realizadas
usando-se uma relação geométrica
correspondente. Na figura
ao lado pode-se ver um computador
analógico muito simples.
No
final do século XIX, as
equações matemáticas que
apareciam nos estudos de
física passaram a exigir
uma grande quantidade de
cálculos, quase impossíveis
de se resolver na prática.
Os físicos começaram a desenvolver
sofisticadas ferramentas
matemáticas para descrever,
através de equações§6,
a operação de determinados
tipos de mecanismos, assim
como conceber máquinas cujo
movimento era feito de acordo
com equações. Uma solução
foi a de se criar um sistema
físico análogo e cujo comportamento
pudesse ser quantitativamente
observado. Por exemplo:
o fluxo de calor é análogo
ao fluxo de eletricidade,
onde temperatura corresponde
a potencial elétrico. Logo,
pela análise de camadas
eletricamente condutoras,
dispostas de maneira a simular
as características de uma
estrutura, pode-se investigar
o fluxo de calor dentro
dessa estrutura22,
volume XI. Alguém
que quisesse projetar um
dispositivo desse tipo deveria:
i) analisar quais operações
desejaria executar; ii)
procurar um aparato físico
cujas leis de operação sejam
análogas àquelas
que se deseja executar;
iii) construir o aparelho;
iv) resolver o problema
medindo as quantidades
físicas envolvidas.
Dois
nomes famosos estão diretamente
ligados à efetiva produção
de dispositivos analógicos
para resolução de cálculos
mais complexos: James Clerk
Maxwell (1831-1879), o criador
da teoria sobre a eletricidade
e o magnetismo, e James
Thomson. Ambos inventaram
dispositivos analógicos
por volta de 186026.
Em
todos os dispositivos analógicos
que começaram a aparecer,
a operação fundamental é
a da integral, isto é, todos
eles produziam como saída
,
dado f(x) como entrada.
Dentro
da evolução das máquinas
analógicas, os analisadores
diferenciais foram os dispositivos
analógicos que mais tarde
passaram a ser chamados
propriamente de computadores
analógicos.
Primeiras
evoluções: século XV
[topo]
É
por volta do século XV que
aparecem dispositivos analógicos
mais sofisticados, utilizados
para prever os tempos de
maré alta e baixa em alguns
portos europeus. São os
chamados "tide predictors",
com suas escalas circulares,
seus ponteiros que marcavam
a posição do sol e da lua
- e um interessante sistema
de checagem desses dados
- e que, juntamente com
algumas informações específicas
do porto, permitia ao usuário
ler nas escalas do instrumento
o tempo aproximado entre
a maré alta e baixa. Quando
na metade do século XVIII
foi possível encontrar uma
fórmula para o cálculo de
séries de coeficientes de
cosseno (y = A cos(u) +
B cos(v) + C cos(w) + ...),
Lord Kelvin construiu uma
máquina analógica para avaliar
essa fórmula. Chamou-a analisador
harmônico, e um exemplo
pode ser visto na figura.
Um
desses primeiros dispositivos
foi elaborado em 1878. Escrevendo
sobre seu analisador harmônico
de ondas do mar Kelvin disse:
"O objetivo desta máquina
é substituir o grande trabalho
mecânico de calcular os
fatores elementares que
constituem a subida e descida
da maré (...)"26.
Uma análise harmônica consiste
em se formar um número
de integrais do tipo geral
, onde g é uma função seno ou cosseno. A avaliação
das integrais desse tipo
foi o que Kelvin conseguiu,
fazendo uma engenhosa adaptação
de um integrador§7
elaborado por seu irmão.
A
última invenção de Kelvin
relevante para nossa história
foi o que agora é chamado
Analisador Diferencial,
um dispositivo para a solução
de sistemas de equações
diferenciais ordinárias.
Dos dispositivos chamados
integradores é possível
obter uma integral que é
o produto de duas variáveis.
Uma grande gama de sistemas
de equações pode ser computada
por esses componentes. Kelvin
nunca chegou a construir
sua máquina por não dispor
de tecnologia suficiente.
A dificuldade estava em
como usar a saída de um
integrador como entrada
em outro. Na explicação
de Maxwell, o problema central
era a saída estar medida
pela rotação de um disco
ligado a uma roda. Esta
roda é acionada por estar
apoiada sobre um disco que
gira em torno de um eixo.
O torque desse disco - sua
capacidade de girar a roda
- é muito pequeno e consequentemente
ele, de fato, não pode fornecer
uma entrada para outro integrador§8.
Esses problemas permaneceram
suspensos por quase 50 anos
até o desenvolvimento dos
amplificadores de torque.
Analisadores diferenciais
mecânicos foram revitalizados
por volta de 1925 e o mais
famoso destes foi o construído
no Instituto de Tecnologia
de Massachusetts (MIT) por
Vannevar Bush§9.
Michelson
e seu analisador harmônico;
I Guerra Mundial
[topo]
"O
principal obstáculo
na construção de tal máquina
está na acumulação de erros
envolvida no processo de
adição. O único instrumento
projetado para efetuar esta
adição é o de Lord Kelvin
(...). O alcance da máquina
é no entanto limitado pelo
pequeno número de elementos
na conta (...), pois com
um considerável aumento
no número de elementos,
os erros acumulados devido
aos fatores já mencionados
logo neutralizariam as vantagens
do aumento do número de
termos na série."
São
palavras de Albert A. Michelson
(1852 - 1931) em 189852,
um dos grandes físicos do
século XX. Interessou-se
pelo desenvolvimento de
um analisador harmônico
que pudesse manipular uma
série de Fourier de até
20 termos, continuando a
tradição das máquinas analógicas.
Durante
a I Guerra Mundial tornaram-se
estratégicos os problemas
referentes aos cálculos
balísticos, o que foi um
incentivo à continuidade
do desenvolvimento de máquinas
computacionais. Um destes
problemas é o de como determinar
a função de deslocamento,
observando-se a resistência
do ar, em função da velocidade.
Quando a artilharia aponta
para objetos que se movem,
como navios ou aviões, é
essencial prever o movimento
dos alvos.
Foram
duas décadas (1910 e 1920)
em que houve um grande aprofundamento
teórico, com a formação
de grupos de matemáticos
nos EUA e Inglaterrra, cujas
principais descobertas estão
nos procedimentos numéricos
para solução de equações
diferenciais com grande
precisão26.
Computadores
analógicos eletromecânicos
[topo]
Nos
primeiros anos do século
XX muitos físicos e engenheiros
de todo o mundo estiveram
trabalhando em questões
fundamentais da área de
eletricidade. Centros de
pesquisa foram criados em
Harvard, no MIT, na IBM,
na General Electric, e outros
lugares. Eles tiveram sucesso
na formulação matemática
dos problemas em teoria
de circuitos e muitos textos
foram escritos nos anos
da década de 1920, especialmente
por Vannevar Bush no MIT,
A.E. Kennelly de Harvard
e do MIT, C.P Steinmetz
da General Electric, entre
outros26.
Também não se pode esquecer
o trabalho fundamental de
Oliver Heaviside (1850-1897),
um inglês que desenvolveu
um dispositivo matemático
para manipular equações
e analisar indução eletromagnética,
e o trabalho de Norbert
Wiener junto a Bush.
Como
se disse sobre Kelvin e
seu analisador harmônico,
o grande problema foi ele
não dispor da suficiente
tecnologia para desenvolver
um dispositivo que executasse
a operação de gerar a integral
do produto de duas funções,
,
e por vários anos a idéia
esteve esquecida até o desenvolvimento
dos amplificadores de torque.
A
partir de 1927 até 1931,
Vannevar Bush e sua equipe
no MIT desenvolveram mecanismos
para resolver equações diferenciais
ordinárias. Bush deve especialmente
a C. W. Niemann, engenheiro
e inventor do amplificador
de torque Bethlehem, a possibilidade
de ter construído seu famoso
analisador diferencial,
terminado em 1931. Usando
o amplificador de Niemann,
Bush pôde construir uma
máquina usando exclusivamente
integradores. Ainda mecânico,
este dispositivo foi aprimorado
durante a II Guerra Mundial,
pela substituição dos mecanismos
puramente mecânicos por
corrente e voltagem, obtidas
através de potenciômetros
instalados sobre os discos
cuja rotação representava
quantidades. As voltagens
correspondiam à soma, produto
e a uma função de uma variável.
Entram aqui conceitos de
servo-mecanismos e amplificadores
operacionais66.
Ainda
dentro do mundo dos computadores
analógicos, deve-se destacar
o trabalho do físico inglês
Douglas Hartree, da universidade
de Manchester e Cambridge,
que tentou resolver equações
diferenciais parciais com
analisadores diferenciais
e que ao deparar-se com
cálculos altamente complexos,
anteviu e preparou o advento
dos computadores eletrônicos26.
As
novas descobertas da indústria
e da ciência no campo da
eletricidade - proporcionando
rapidez e precisão nos equipamentos
- juntamente com a limitação
dos equivalentes analógicos
eletromecânicos, acabaria
por impor a nova tecnologia
de circuitos. Uma nova era
da Computação começava a
ser desvelada. É necessário
assinalar, no entanto, que
novas máquinas analógicas
eletromecânicas sucedâneas
da última máquina de Bush,
no MIT, em 1942 foram construídas
e até 1960 ainda estavam
em uso22,
volume XI.
Circuitos
elétricos e formalismo lógico:
Claude Elwood Shannon
[topo]
Como
um grande tapete, que se
vai formando aos poucos
por diferentes artesãos
que não têm a visão de todo
o conjunto, paulatinamente
avançou a teoria e a técnica
que levaram à construção
do computador digital. Paralelamente
aos matemáticos, também
um jovem engenheiro, Claude
E. Shannon, com a idade
de 22 anos, deu uma grande
contribuição à Computação:
em 1937 ele estabeleceu
uma ligação entre os circuitos
elétricos e o formalismo
lógico. Durante a Segunda
Guerra Mundial, Shannon
começou a desenvolver uma
descrição matemática da
informação, dando origem
a um ramo de estudos conhecido
como Teoria da Informação§10 e 25. Deu ainda importantes contribuições na área da
Inteligência Artificial
O
que Shannon fez em 1937
foi mostrar um caminho para
projetar máquinas baseadas
na lógica algébrica descrita
um século antes por George
Boole, aquela em que só
havia dois valores no sistema
de cálculo lógico: 1 e 0.
Se um valor é verdadeiro,
ele pode ser representado
pelo valor 1 e, se falso,
pelo 0. Nesse sistema, uma
tabela-verdade descreveria
os vários estados lógicos
possíveis. Uma das características
importantes da álgebra de
Boole é que as operações
lógicas podem ser colocadas
juntas e formar novas operações.
Claude Shannon percebeu
que a mesma álgebra poderia
descrever o comportamento
de circuitos elétricos chaveados.
Igualmente importante foi
o modo como estas combinações
entre entre operações lógicas
e aritméticas poderiam ser
usadas para se construir
uma "operação de memória".
A álgebra booleana torna
possível a construção de
um dispositivo de "estado"
que pode armazenar qualquer
informação específica, seja
um dado ou uma operação.
E se um circuito elétrico
pode executar operações
matemáticas e lógicas, e
pode também armazenar os
resultados de tais operações,
então os computadores digitais
podem ser construídos.
Em resumo:
- Lógica
booleana, cujas tabelas-verdade
poderiam representar
as regras de um sistema
lógico formal;
- tabelas
de instruções da Máquina
de Turing que podem
simular as tabelas-verdade
de Boole;
- dispositivos
como o relé - já então
muito usados em telefones
- para representar "estados"
de máquina.
Em
breve já seria possível
a construção de circuitos
elétricos que simulavam
algumas operações lógicas.
Shannon estava procurando
um procedimento matemático
que fosse o mais adequado
para se descrever o comportamento
de circuitos a relé§11. Sua tese de mestrado publicada em 1937 mostrou
como a álgebra booleana
poderia ser usada para descrever
as operações desses complexos
circuitos.
Nos
dez anos seguintes ao seu
primeiro trabalho - a citada
tese -, Shannon dirigiu
seu interesse para o estudo
da da comunicação, parte
de um trabalho já iniciado
por Norbert Wiener, de quem
se falará mais adiante.
Depois
da guerra, tendo encontrado
uma ferramenta perfeita
para a descrição de circuitos
a relé, Claude Shannon procurou
definir matematicamente
aquilo que as novas máquinas
processavam. Shannon estava
interessado nas leis subjacentes
aos sistemas de comunicação
de mensagens feitos pelo
homem, na diferença entre
ruído e mensagem e de como
esta mantinha a sua ordem
em um meio onde a "desordem"
- ruído - é muito alta.
Chegou a equações muito
parecidas às do físico Boltzmann
sobre as leis da entropia.
Em
1948 Shannon publicou dois
trabalhos que originaram
a Teoria da Informação (A
Mathematical Theory of Information)§12.
O desenvolvimento deu-se
rapidamente, afetando não
somente o projeto de sistemas
de comunicação, mas também
áreas como automatização,
ciência da informação, psicologia,
linguística e termodinâmica22,
volume IX.
Em
1950 publicou "A Chess Playing
Machine" onde propunha que
computadores digitais poderiam
ser adaptados para trabalhar
simbolicamente com elementos
representando palavras,
proposições ou outras entidades
conceituais, dando prosseguimento
ao emergente ramo de estudos
denominado mais tarde Inteligência
Artificial. Em 1953, com
"Computers and Automata"
falou sobre simulação através
de hardware e software de
algumas operações do cérebro
humano62,
capítulo 6.
Notas
§1.
Trabalho citado por Bolter,
que descreve o dispositivo
Antikythera, na Scientific
American, junho de 1959,
pgs. 60-67.
§2.
Havia também o problema,
de modo algum simples, da
invenção de mecanismos que
produzissem os movimentos
exigidos pelas engrenagens
durante os cálculos
§3.
Esta máquina, conforme imaginada
por Babbage, foi construída
e colocada em operação pelo
Museu de Ciência de Londres
e mostrada com seus desenhos
em 1862 durante exposição
internacional. Em 1849 Babbage
entregaria ao governo britânico
uma nova versão da Máquina
de Diferenças, que nem considerada
foi. Em 1991 foi construida
esta segunda versão 80.
§4.
O tear de Jacquard inspirou
també a Herman Hollerith,
sobre quem se falará mais
adiante.
§5.
Em 1854, durante uma viagem
a Londres, Scheutz pai e
filho encontraram-se com
Charles Babbage, que aprovou
a máquina por eles construída.
Ambos nunca esconderam depois
sua admiração pelas idéias
do inglês.
§6.
Como por exemplo equações
diferenciais ordinárias,
séries de transformações
de Fourier, sistemas de
equações algébricas lineares.
§7.
Integrador é também um dispositivo
analógico, que produz como
resultado a integral de
f(x). Seria exaustivo e
fugiria do escopo do trabalho
falar sobre esses dispositivos
- existem ainda os planímetros,
para medir áreas de figuras
traçadas por um operador
humano, etc. - que fazem
parte desses primeiros esforços
em direção a sofisticados
mecanismos analógicos.
§8.
Outra dificuldade substancial:
não é possível aumentar
muito o número de termos
em uma série pois o seu
dispositivo de adição de
termos junto levava a um
acúmulo de erros. Para uma
longa série de termos o
resultado poderia estar
completamente viciado.
§9.
Após a Segunda Guerra Mundial,
analisadores diferenciais
mecânicos começaram a se
tornar obsoletos com o desenvolvimento
de analisadores diferenciais
eletrônicos e com o aparecimento
da Computação eletrônica
digital.
§10.
Busca a representação matemática
das condições e parâmetros
que afetam a transmissão
e processamento da informação.
§11.
Um relé é uma chave ou dispositivo
que abre ou fecha um circuito,
permitindo ou bloqueando
o fluxo da eletricidade.
É semelhante a um interruptor
de luz, com a diferença
de que o relê não é ligado
ou desligado por uma ação
humana, mas pela passagem
de uma corrente elétrica.
§12.Informalmente
falando, trata da representação
matemática das condições
e parâmetros que afetam
a transmissão e processamento
da informação. É importante
notar que "informação",
como entendida na teoria
da informação, não tem nada
a ver com o significado
inerente na mensagem. Significa
um certo grau de ordem,
de não randomicidade, que
pode ser medida e tratada
matematicamente como as
quantidades físicas.
[topo]
Fonte:
HISTÓRIA DA COMPUTAÇÃO
- Cléuzio Fonseca
Filho - Site