Tecnologia

Tecnologias convergentes

Renato M.E. Sabbatini   

O que virá depois da Internet ? Essa é uma pergunta que muitos futurólogos da alta tecnologia já estão se fazendo. A rede mundial ainda vai crescer tanto, e se tornar tão conspícua e ubíqua, que seu impacto sobre a sociedade global tem muito a se desenvolver. Difícil prever que algo tão revolucionário como a Internet possa ocorrer em um futuro próximo.

No entanto, algumas tecnologias de comunicação eletrônica de massa que estão sendo propostas e testadas em muitos países, tem um potencial impressionante de extender o conceito da Internet além de fronteiras jamais sonhadas. Quando elas convergirem na mesma direção, ou seja, comunicação global, digital, multimídia, instantânea, personalizada, ninguém é capaz de imaginar o que vai acontecer.

Essas inovações são: a rede sem fios, a rede ótica, a televisão interativa e a supercomputação distribuída. Neste artigo e no próximo procurarei dar uma idéia ao leitor do que nos aguarda.

O próximo salto quântico da Internet poderá ocorrer até final de 1998, com a primeira de nossas inovações, a rede mundial de satélites de baixa altitude. Explicando: atualmente, a Internet e outras redes de computadores dependem de um sistema complexo de telecomunicações de baixa velocidade, que incluem linhas telefônicas comuns, enlaces de microondas, satélites estacionários de alta altitude, e cabos óticos. Esse sistema existe basicamente para servir às comunicações analógicas de telefonia de voz e de radiofreqüência (rádio e televisão) e as telecomunicações digitais bidirecionais de baixa e média velocidade.

Um dos principais problemas é devido ao alto custo dos sistemas de transmissão por satélites geoestacionários, pois eles ficam a quase 30 mil km de altitude e exigem antenas grandes e equipamentos potentes. Para se ter uma idéia, toda a Internet brasileira, com seus quase 800 mil usuários está “pendurada” em apenas cinco canais de 2 megabits por segundo, via satélite. É a velocidade total da rede local de fibra ótica da Unicamp, que tem apenas 5 mil usuários, e que custa centenas de vezes menos para ser operada ! É possível utilizar canais digitais bidirecionais de alta velocidade em satélites de alta altitude, mas o custo é proibitivo a não ser para multinacionais do petróleo. Uma alternativa que está sendo oferecida este ano nos EUA é a PCDirect, que utiliza a mesma tecnologia da TVDirect, altamente divulgada no Brasil, nos últimos meses. Ela usa uma antena de apenas 60 cm de diâmetro, acoplada a uma eletrônica especial de decodificação e controle. A rede assim formada pode ser estabelecida diretamente entre o PC do usuário final, e a rede, sem necessidade de cabos, linhas telefônicas, etc. A transmissão é altamente assimétrica, ou seja, a velocidade “fluxo abaixo” (do satélite para o PC) é alta, e do “fluxo acima” (o inverso) é baixa (modems normais).

O grande fator de desenvolvimento a médio prazo será a rede de satélites de baixa altitude. Esses satélites circulam a apenas 300 km de altitude, portanto é impossível conseguir-se geossincronicidade. O projeto Iridium, em implantação pela empresa Motorola, líder industrial na área de telefones celulares, prevê o lançamento de 60 satélites de baixa altitude, cobrindo todo o planeta. Isso possibilitará, entre outras coisas, o telefone celular com alcance mundial. Pode-se imaginar, acoplando a tecnologia TVDirect ao Iridium, o impacto a ser atingido sobre a arquitetura da Internet. A baixa altitude, é possível usar-se transceptores de baixa potência, que provavelmente estarão embutidos dentro de laptops, dando portabilidade “sem fio” aos navegadores da Internet.

Embora o Projeto Iridium já esteja prestes a ser iniciado, o fato é que vai demorar ainda um certo tempo (dois a três anos), até que essa rede seja aproveitada de forma significativa para o “backbone” internacional da Internet. Notem: o objetivo original da Iridium é proporcionar cobertura mundial para usuários de telefones celulares. Muitos analistas especializados acham que esse mercado não é grande o suficiente para pagar o investimento na infra- estrutura, e que diferentes padrões de telefonia celular vão atrapalhar a conexão com os sistemas locais de comunicação em cada país. No entanto, a Internet já detém essa homogeneidade de padrões, e é uma força de mercado ($$$) cada vez mais importante. A conclusão é inevitável, e fica para o leitor deduzir qual será um dos maiores usos para o Iridium e outras redes de satélites do gênero.

Outra tecnologia competitiva está surgindo no horizonte e deve ofepecer opções fascinantes de conectividade de alta velocidade para provedores e usuários da Internet. Trata-se das redes de TV a cabo, que estão sendo instaladas a uma velocidade impressionante em todos os países do mundo, principalmente em países em desenvolvimento avançado, como o Brasil (basta citar que há apenas três anos atrás, Campinas não tinha nem um metro sequer de cabeamento para TV. Hoje, tem centenas de quilômetros, e é uma das cidades mais “TV-cabeadas” da América Latina). O fato de se colocar uma conexão de fibra ótica em uma residência, dá imediatamente a possibilidade de utilizar um “modem a cabo”, que permite comunicação digital bidirecional a velocidades centenas de vezes maior do que pela linha telefônica (atualmente, 28.800 bits por segundo, usando um modem telefônico, versus 2 a 10 megabits por segundo, usando o modem ótico). E isso tudo, sem afetar a recepção unidirecional dos canais normais de transmissão de TV.

A bidirecionalidade dos canais de TV a cabo permitirá a expansão do universo de comunicação das residências com o mundo exterior. Será possível a TV interativa, o que é feito hoje de forma muito primitiva através do uso paralelo do sistema telefônico e da TV (por exemplo: a doação de dinheiro para campanhas filantrópicas, como em “Criança Esperança”, ou a votação popular para o enredo de histórias, como em “Você Decide”, ou a compra de mercadorias, como em “TV Shopping”). Será possível, também, o desenvolvimento de serviços simplificados e dedicados de navegação na Internet através da TV a cabo, como o WebTV, em lançamento espetacular nos EUA (trata-se de uma caixinha, que se adapta a uma TV ligada a cabo, e que permite o acesso à World Wide Web, e a navegação usando um controle remoto comum de TV !).

Outra vantagem da conexão a cabo é que ela é permanente, 24 horas por dia, sem pagar tarifas variáveis, e sem discagem telefônica. É uma conexão altamente confiável, que praticamente nunca cai. No mundo todo, estão sendo feitos experimentos com o acesso à Internet usando esse meio, e, novamente, Campinas é pioneira nesse aspecto. Em cooperação com a empresa local de TV a cabo, o Centro de Computação da UNICAMP está testando o sistema em cinco residências, com grande sucesso. Uma vez resolvidos os aspectos técnicos, legais e financeiros, esse serviço poderá ser oferecido a todas as residências da cidade que têm a possibilidade de se conectar a rede de TV a cabo. O modem ótico é caro, ainda, mas seu preço tende a diminuir, como aconteceu com os modems telefônicos, no passado.

A TV interativa é outra tecnologia que poderá ser a próxima revolução, principalmente se for acoplada à Internet e à WWW. E o que é TV interativa ? É a possibilidade de dar a TV convencional a capacidade de se comunicar nas duas direções, ou seja, não apenas de forma passiva, como é hoje. do gerador de programas ao consumidor, mas também no sentido oposto, do consumidor ao gerador de programas.

O conceito de TV interativa, em si, é extremamente fascinante. No entanto, seu sucesso dependerá de muitos fatores, entre os quais três são fundamentais, em minha opinião. O primeiro deles é relativo à tecnologia, ou seja, se os fabricantes de aparelhos de TV começarão ou não a oferecer aparelhos com a capacidade de se intercomunicar nas duas direções (isso é importante, pois o famigerado aparelhinho de controle remoto, hoje considerado parte integrante de qualquer TV moderna, tem que incluir os controles de navegação e entrada de dados necessários para tornar a TV interativa). O segundo fator é interdependente do primeiro e diz respeito à capacidade e interesse das emissoras em gerar programas interativos, como “Você Decide”, plebiscitos instantâneos, serviços de compras pela TV, etc.). O terceiro e último fator é a montagem de uma infra-estrutura de serviços interativos, que custará caro e é estranha à cultura das emissoras atuais, que estão acostumadas há décadas a um usuário passivo e não interativo. A isso estão ligadas questões e problemas, como velocidade de acesso, interatividade, custo, etc.

Nos EUA, a primeira tentativa séria de oferecer TV interativa sofreu um enorme fracasso. Uma das maiores empresas do mundo, a Time-Warner, dona de um imenso império de comunicações, investiu pesado em um grande projeto, com uma tecnologia avançadissima, que deu com os burros n’água. Motivos ? Imaturidade do mercado, inexistência de uma infra-estrutura confiável, custos elevados, competição dos sistemas de videogame e da Internet, etc.

Acho que um dos fatores mais importantes para o sucesso da TV interativa será a possibilidade de acoplá-la de forma transparente à WWW. O motivo é que a Internet representa um repositório gigantesco de informação de todo tipo, já disponível, e em contínuo crescimento. Nenhum serviço comercial conseguirá competir com isso, portanto a idéia é fazer uma simbiose, e não tentar reinventar a roda, fazendo um sistema em paralelo. Esse acesso não vai funcionar direito se não utilizar conexões permanentes e de alta velocidade, ou seja, cabeamento ótico (e aqui, verificamos novamente a convergência das tecnologias a que nos referimos !).

Uma das questões ainda não resolvidas é que tipo de tecnologia vai tornar isso possível. A primeira alternativa, exemplificada pela WebTV, é colocar na TV comum uma interface eletrônica que permita navegar pela WWW usando um controle remoto simples. A segunda alternativa é acoplar um computador à TV, que permita uma navegação mais convencional, como é feita hoje, mas que exige um consumidor um pouco mais sofisticado. Considerando que 35 % dos lares americanos têm microcomputador(es), e 95 % têm TV, pode parecer evidente que o primeiro caminho será o mais provável, seguindo o exemplo dos videocassetes e decodificadores de TV a cabo e antenas parabólicas, que “pegaram’ muito bem. O problema é que é perigoso fazer generalizações, pois os sistemas domésticos de acesso ao videotexto nunca chegaram a alcançar qualquer sucesso significativo.

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Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,

Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
WWW: http://www.nib.unicamp.br/sabbatin.htm Jornal: cpopular@cpopular.com.br


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