Moda e Identidade
 

A identidade, cerzida pela ‘prêt-à-porter’
Moda e Identidade analisa as paradoxais possibilidades da moda como canal de expressão individual


Por Maria Luiza Feitosa de Souza

A moda (indumentária), uma anciã nascida em meados da Idade Média, emerge poderosa neste fim de século, com toda a complexidade de objeto epistemológico dos mais instigantes. Supérflua, efêmera? Pode até ser! Mas quem há de negar-lhe a importância como produto sócio, econômico, político e cultural efetivo? Tanto, que não é por acaso que vemos crescer, em todos os grandes centros, o espaço a ela reservado na mídia, bem como a proliferação dos cursos e faculdades de moda. Assim, além dos “manuais de auto-ajuda”, vê-se também uma crescente valoração do discurso imanente da moda. Ou seja, o que existe no subtexto desta linguagem que envolve, entre outras coisas, alta tecnologia e criatividade, num ritmo frenético de vida e morte – sua marca registrada?

A busca pelo imanente motivou Airton Embacher. Psicanalista com grande experiência e atuação na área de moda, ele transformou seu mestrado em Psicologia Social num livro que focaliza a construção de um estilo próprio e de que forma este é possibilitado pela moda. Tema sem dúvida interessante, porque trabalha com um grande paradoxo: sendo, por princípio, genérica e impessoal, a ponto de negar a individualidade do sujeito, ao mesmo tempo, a moda só tem e faz sentido à medida que permite a expressão dessa mesma individualidade – essa que se faz traduzida naquilo que podemos chamar de estilo.

 

Desta forma, Embacher desenvolve dois pontos centrais: verifica como o vestuário participa da constituição da identidade e é por ela constituído, e verifica também a possibilidade do indivíduo, ao construir seu próprio estilo, ser capaz de tornar-se representante de si mesmo, criando uma identidade que articula as igualdades e as diferenças que constituem e são constituídas pela história desse mesmo indivíduo. Isto porque, conforme Embacher, a grande realização humana na conquista da identidade pessoal é conseguir adequar os papéis sociais que é obrigada a desempenhar à capacidade de pautar essa identidade pelo seu desejo (entendido psicanaliticamente), ao invés de ser sempre “feito-pelo-outro”. Um movimento de metamorfose da “mesmice à mesmidade” que começa na infância e adolescência – quando a identidade pressuposta pelos pais e grupo social ainda é a determinante fundamental de todas as escolhas, inclusive a do vestuário.

Embacher consegue lidar com esse tema que traz, em si, vários graus de dificuldade, de forma clara e objetiva. No primeiro capítulo, explicita o que entende por constituição da identidade; a seguir, recupera “um pouco de história” lembrando a trajetória, no tempo e no espaço, da relação entre roupa e moda; no terceiro capítulo analisa os resultados de uma pesquisa qualitativa por ele feita com dez jovens do sexo feminino e analisa o caso-exemplo de um sujeito típico; então, com base no resultado das pesquisas, faz pontuações que revelam como a moda participa da construção da identidade e como um estilo autônomo pode ser construído – o que, ao fim e ao cabo, permite ao indivíduo tornar-se representante de si mesmo.

Embacher deixa seu leitor entender que o sujeito pode e deve ser autônomo, embora não possa estar ausente das influências externas, já que a identidade constitui-se na libertação e na interação. Uma autonomia que emancipa o sujeito, proporcionando-lhe, entre outras coisas, um estilo próprio de vestir.

MODA E IDENTIDADE – A Construção de um Estilo Próprio, de Airton Embacher. Anhembi Morumbi, 125 págs., R$ 19,00.

Maria Luiza Feitosa de Souza é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP e coordenadora do Grupo de Estudos em Semiótica da Moda da mesma instituição.

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